quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

NO METROPOLITANO DE PARIS

 
Não há dúvida que sem dinheiro a vida é impossível. Mas nem tudo na vida se reduz a dinheiro: estão nesta categoria todos os bens que não são quantificáveis. Conto aqui um episódio, que é bom exemplo do que acabo de afirmar e o qual, apesar de vivido em circunstâncias particularmente duras, nem por isso deixa de constituir uma das lembranças mais gratas de toda a minha vida.

À data do desastre --- 25ABR74 ---, encontrava-me em Angola à espera de entrar nas Forças de Intervenção do Comando-Chefe daquela Província. Era a minha segunda ida a África para defender aquele terrão. Escusado será dizer que o sonho de poder continuar o combate, até que se alcançasse uma paz justa, ficou anulado pela traição que se conhece.

Entretanto, dava-se o 28 de Setembro na Metrópole. A 03OUT74, era eu detido, em Luanda, por ordem de Rosa Coutinho. Assim estive poucos dias (três semanas e mais qualquer coisa), mas com a nota muito incómoda de ter passado esse período praticamente isolado e sem saber quanto tempo ia durar o que veio a ser um cárcere curto.
 
Quando me libertaram, passei à África do Sul e daí, decorrido mês e meio, voei para Madrid. Em Espanha, mandaram-me para Barcelona, onde estive uns quatro meses. No rectângulo português, ia viver-se o Verão Quente. Antes de entrar nele, tive de deslocar-me a Paris.

E é aí que sucede o que me propus narrar. Todo este relato teve a finalidade de mostrar um quadro que, dadas as razões, não era nada agradável, o que ajudará  a compreender a emoção sentida por mim na ocorrência que segue.

Percorria eu os corredores do Metro, bastante atribulado, quando começo a ouvir uma música lindíssima. Saía das cordas de um violino: Brahms? Beethoven? Sempre confundi os dois, nalguns trechos. O compositor até podia ser um terceiro. Mas, para o efeito que trato, isso de nada interessa: sei é que a música parecia caída do Céu. Já não me lembro se caminhava na direcção de onde vinha o som. É provável que eu tivesse feito um desvio, tal a magia daquele momento.

O certo é que ia caminhando para lá, e nisto, à medida que descia umas escadas, começo a ver a figura de um homem que arrancava aquelas notas de tanta beleza. Era cego. Tinha aos pés, como é costume nestes casos, uma caixa onde se via dinheiro. Aproximei-me e, em termos genéricos, disse-lhe que me encontrava ali condicionado por causas muito especiais, não podendo levar-lhe nenhum socorro material. Acrescentei ainda que, mesmo tendo os bolsos a abarrotar, supunha que não conseguiria pagar-lhe o conforto que recebera com a música por ele tocada.

Não menos comovido que eu, retorquiu-me num tom que parecia mais agradecido do que ficaria se eu o tivesse coberto de moedas!

 
Joaquim Maria Cymbron