sábado, 25 de outubro de 2014

BERGOGLIO E "L' ORGOGLIO"


Conforme prometido, foi publicada a mensagem que fechou o recente Sínodo dos Bispos. Optei por seguir a versão italiana (1), língua em que foi redigido o documento.
 
Enquanto aquele Sínodo decorreu, ergueram-se vozes insanas anunciando catástrofes apocalípticas. Partiram de gente que arde em altruismo, mas alguma dela possuída de uma histeria desmedida. Diz essa gente que é sua intenção salvar o povo de Deus, desviando-o do abismo que se abre debaixo dos pés de todos nós. Os clamores de fim do Mundo voltaram mais uma vez a ouvir-se, e agora correram porque, afirmava-se de ciência certa, os divorciados novamente casados e as parelhas homossexuais iam ter acesso à mesa da Sagrada Comunhão. Do primeiro grupo, lê-se na mensagem que os Padres Sinodais tinham riflettuto sull’accompagnamento pastorale e sull’accesso ai sacramenti dei divorziati risposati; a respeito das uniões homossexuais, nem palavra!
Foi a doutrina católica atacada pelo diploma saído deste Sínodo? Que dogmas, que sentenças, que cânones sofreram com ele? Eu não descubro um só ponto que sofresse danos. Na formidável muralha da Igreja, nem um lanço foi atingido. Nada estremeceu, nenhuma brecha abriu, tudo permaneceu firme e inabalável! Podiam ter sido mais explícitos, na redacção dada a lume? Talvez. Mas, saltar daqui até ir parar a um infindável rol de calamidades, a distância é grande. Para ser mais exacto, direi até que se torna num autêntico desaforo. Por mim, limito-me a dizer que a Igreja não se esqueceu que a prudência é a mais importante de todas as virtudes morais e que, sem ela, nenhuma das outras vale. Mestra desse mesmo ensinamento, como podia alguém esperar que não se lhe sujeitasse?
 
É coisa que não deixa de espantar-me, ver como as vozes enganadoras, que criam este clima de inquietude e pânico, irrompem de pessoas que  primam especialmente por uma escassíssima cultura e fraca formação intelectual. De uma ponta à outra, há anemia e despudor naquilo que bolçam da boca para fora. A menos que mintam consciente e deliberadamente, o que acaba por agravar o comportamento tido.
Pululam em diversas capelinhas, outras tantas seitas tal qual sucede na Maçonaria, onde cada uma é de diferente obediência. E, como esta, o único denominador comum que têm é funcionar como açoite de várias pontas, com o qual flagelam a Igreja de Roma.
Lefebvrianos; epígonos de Plínio Corrêa de Oliveira; e outras castas de integristas constituem legiões que não ficam atrás dos maiores heresiarcas dos tempos pretéritos, os quais também se apresentavam como núncios da ortodoxia e asseveravam vir para restaurar a Igreja prostituída pelos pecados da hierarquia, pecados esses que a desviaram da sua primitiva pureza. Isto é o que nos contavam e contam. Porém, não trazem mais do que sobressaltos e desorientação. No seio destes hierofantes e adoptando estratégias análogas, até se destaca, imagine-se, um arcebispo ortodoxo que garante trabalhar pelo bem da Igreja de Roma, sem contudo nos confessar os motivos que o impedem de voltar ao redil de onde fugiu qual ovelha tresmalhada, pondo asssim cobro, pelo menos, à sua defecção. Esta limpidez de processos, mutatis mutandis, já serve, nem que seja um pouco, para aquilatar da honestidade deste exército, movido por tão nobres propósitos de salvação da Igreja.   
Ministros de fancaria de um fantástico Santo Ofício, privados de todo o imperium, que de iure nunca possuirão, e sem qualquer poder de facto, que também jamais alcançarão, entretêm-se numas lides incruentas, mas nem por isso menos perniciosas.  
Depõem Papas como quem deita um trapo ao lixo --- não fazem a coisa por menos. Ignoram ou calam que prima sedes a nemine iudicatur (2), preceito que o direito canónico consagra e que se conjuga em perfeita harmonia com o primado da jurisdição universal do Pontífice Romano, primado que foi dogmaticamente definido pelo 1.º Concílio do Vaticano (3). A generalidade, se não mesmo a universalidade deles, proclama-se monárquica no temporal. Entretanto, esquecem que os Reis de Portugal, desde D. João V, usavam o título de Majestades Fidelíssimas. E Fidelíssimos porquê? Por uma fidelidade inconcussa à Santa Sé. Ora sem Papa não há Igreja. Derribar o Papa, é derribar a Igreja. É lançar por terra todo um edifício, um edifício colossal, o Templo Sagrado. Qual vai ser, pois, o objecto da nossa fidelidade histórica, enquanto Portugueses?
Não obstante tudo isto, com os seus procedimentos, vão minando o terreno e preparando as mentes para que estas aceitem a subversão da noção hierárquica, como medida legítima para uma crise que ajudaram a crescer, se é que também não a criaram de braço dado àqueles que zurzem farisaicamente. Querem, repito, que os fiéis depositem docilmente, nas mãos do Concílio, força suficiente para sobrepor-se ao Papa. E se um concílio estiver infiltrado pela Maçonaria ou, por qualquer outra causa, não for do agrado deles? --- É de remédio fácil: estoira-se com esse e ergue-se outro. Entrando por esta via, tudo poderia acontecer. Uma consequência indefectível seria a de reabrir caminho a uma heresia sufocada em Basileia. Em suma: os monárquicos, que existem no meio destes inquisidores de pacotilha, negam à Igreja o que querem no século. Ou desejam ir mais longe, ao ponto de instaurar um poder ao estilo dos Césares da antiga Bizâncio? Meta que, dados os vícios que os roem, não é de excluir.
Aqui temos os arautos de uma desgraça que, mais do que profetizá-la, vão precipitando de gorra com os que eles apontam como sendo os principais agentes de um próximo naufrágio da Igreja. Estes sinistros pregoeiros mostram-se contumazes na obra de devastação. Não lhes chamarei Sacerdotes do Templo, porque não são decerto ministros do Senhor. O nome, que se lhes ajusta, será o de Sacerdotes do Tempo. Sacerdotes e Sacerdotisas. As Sacerdotisas, mais do que eles, assumem uma particular fisionomia. Não é só pelos defeitos intrínsecos do que sustentam, que o estudo destas figuras convida ao exame. A contradição formal em que caem, com frequência acentuadamente maior do que os seus cúmplices masculinos, também obriga que a nossa atenção se fixe sobre elas.
Casualmente, travei conhecimento com uma que constitui paradigma digno de nota, numa dimensão que, infelizmente, não é positiva. No entanto, a ausência de qualidade é o comum dentro desta classe.
Por malícia ou crassa ignorância, como acima já eu disse, ela sempre está pronta a discorrer sobre tudo como, de resto, fazem os demais que a acompanham neste desvairado apostolado. A consciência ou inconsciência da impreparação sobre a matéria, que trata, não a estorva. Decide-se, e aí vai ela. A lição de S. Paulo (4), a quem tanto gosta de recorrer, quando lhe dá jeito, não a inibe: ou a ignora; ou esquece-a pelo tempo e na extensão que lhe convier. Entre outros percursos teológicos, onde foi que tentou penetrar esta Doutora da Igreja? No mistério da SS. ma Trindade! Nem mais, nem menos. Foi, portanto, ao mistério fundamental da nossa fé. Fundamental e o mais oculto. Além disso, um dos mistérios mais misteriosos da religião católica, releve-se a aparente redundância. A ciência teológica chama-lhes mistérios estritamente ditos, significando isto que superam o entendimento do homem e dos anjos.  
Mas a Sacerdotisa, de que me ocupo, não se amedrontou. Lá se dirigiu, com a afoiteza do costume. Afoiteza que não ia desacompanhada da sua leviandade habitual e bastante prosápia. Fê-lo, porém, com manifesta infelicidade. A certa altura já falava de Pessoa Una, que depressa passou a Pessoa Trina. Eis aqui uma exposição do dogma trinitário, que me colhe de surpresa pela sua novidade! Juro que nunca antes ouvi igual despropósito. Que metamorfose é esta? É sabido que devaneios febricitantes não tardam a conduzir ao reino dos mitos.

Em noite de tempo agreste e hora já muito adiantada, ainda concebo o quadro de uma só pessoa a subir a rua das Trinas, em Lisboa. É uma aproximação grosseira? --- Está longe da precisão desejada, mas para tamanho desconchavo não se arranja melhor. Nem merece a pena que nos estafemos a encontrar paralelo. A Sagrada Escritura, como nem de outro modo podia ser, guarda uma lição admirável para casos como este. Com efeito, nela se lê: «Não respondas ao louco segundo a sua loucura, para não seres semelhante a ele.» (5) Todavia, para que o orgulho do dementado não lhe pinte de formosas cores o desatino que verteu, acrescenta logo a seguir: «Responde ao louco segundo a sua loucura, para que ele não se julgue sábio.» (6)
Entre a mofina gente, onde comunga a criatura que me suscitou estas linhas, há quem viva dominado pelo pavor da actual divisão que se desenha na Igreja. Desta vez, não deliram: a divisão existe e também o perigo de que aumente. Mas não acredito muito no temor que dizem sentir. De divisões, está cheio o passado da Igreja: umas (felizmente raras) acabaram em cisma; as outras, não. E pela que hoje os traz apreensivos, se ainda lhes sobra consciência e são capazes de remorso, bem podem bater no peito pelo que contribuíram e contribuem para ela.
Estultamente, colocam no Concílio Vaticano II a origem dos presentes males da Igreja. Erro este que é muito mais do que um erro primário, tanto como se se imputasse ao 25 de Abril as culpas da desordem e da ruína que se abateram sobre Portugal. E porquê? Porque o 25 de Abril foi a espoleta da crise que vivemos, mas as suas causas é atrás que se situam: a relaxação de costumes arrancava a galope, com uma necessidade doentia de imitar experiências do estrangeiro e subjugada pela ideia de um duvidoso progresso, ao mesmo tempo que assistíamos à subversão política, por influência de correntes obnóxias que sopravam de fora; em contrapartida, o Concílio posto diante de uma insofismável dessacralização da vida quotidiana, fruto de um profundo decaimento na fé, rasgou a via para reagir ao que já vinha afligindo a Igreja. Portanto, mesmo que fosse um concílio nefasto, seria antes que teria de buscar-se a génese da enfermidade que a atacava. Não admitir isto é a cegueira incapaz de avistar o Sol, em dia claro. E se ocorre por acinte, não é cegueira porque é crime!
Todos os heresiarcas foram monstros de orgulho. Repetiram e repetem o grito de Lúcifer, o anjo rebelde: Non seruiam! Levantar o punho contra o Papa, num gesto de revolta, é um acto de orgulho, sinónimo de soberba. E a soberba é o princípio de todo o pecado.» (7)
 
Joaquim Maria Cymbron

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  1. www.press.vatican.va/content/salastampa/it/bollettino/pubblico/2014/10/18/0768/03043.html.  Quem preferir outra língua, basta procurar no sítio oficial do Vaticano.
  2. CIC, can. 1404.
  3. Dz. 1831.
  4. 1 Tim. 2, 12.
  5. Prov. 26, 4.
  6. Ib., 26, 5.
  7. Ecli. 10, 15.
JMC

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

AS DUAS COLUNAS


Guilherme Almor de Alpoim Calvão morreu. Não caiu como o roble que era: à semelhança de outra glória do Ultramar, que também agonizou na cama de um hospital, acabou com algum sofrimento. Foi mais um sacrifício que Deus lhe pediu.
Liguei aqui o seu nome à memória de Alberto Rebordão de Brito. Fi-lo sem vacilar. Os heróis sempre se irmanaram e nenhum apaga o lustre dos outros. Saem invariavelmente engrandecidos, quando colocados lado a lado. E até quando pertencem a campos opostos, o respeito entre eles é uma constante indesmentida. A inveja só tem lugar nos corações mesquinhos de quem, incapaz de ascender, procura que os demais baixem.
O conjunto, ora formado, integra-se decididamente na categoria da concórdia reinante entre almas de eleição, no campo da coragem. Viveram os mesmos perigos; a fama beijou-os merecidamente; e, pior que a hostilidade porque dói muito mais, sofreram por igual o esquecimento como paga dos serviços prestados. Num estreito abraço da admiração e da saudade que, a esta hora, enchem o meu peito, parece-me pois que é justo unir as duas formidáveis colunas do Corpo de Fuzileiros.
A data de 30 de setembro de 2014 entra inequivocamente na história de Portugal. Com efeito, esse foi o dia em que se finou um dos maiores heróis nacionais. E, sendo o amor à Pátria, o mais santo e puro amor que há, logo abaixo do amor a Deus, temos sobejas razões para esperar que a bem-aventurança da Pátria celeste se oferece, generosa e ridente, àquele que tanto amou a Pátria que Deus lhe destinou ao criá-lo, porque terá achado que essa Pátria, que é a nossa, precisava dele!
RIP

Joaquim Maria Cymbron