quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

O ESPECTRO REAL

·  Non seruiam! Este foi o grito que fixou o começo da Revolução Universal.

· Sereis como Deus! Aqui temos a mola da primeira afronta feita pelo homem à divina Majestade, patente na desobediência de Adão.

· Subireis a Pontífices das religiões nos vossos reinos! Constituiu a insurreição do temporal contra o espiritual.

· E tomareis assento no trono primacial! Outro não é o brado das sublevações aristocráticas.

·   O poder dos imperantes é absoluto! Eis o cesarismo rasgando o tecido natural da sociedade.

·    Que são os nobres mais do que nós? Assim se discorre nas comoções da burguesia.

·   Porque não temos tanto como os ricos? É a obsessão dos agitadores socialistas.

·   Cada um de nós é soberano! Deste modo pensam os inimigos de   qualquer tipo de ordem, sejam eles pedreiros-livres ou anarquistas libertários.


A Humanidade, privada de ordem, assemelha-se a uma horda animalesca. E adopta pior procedimento que os brutos, bem patente no aparecimento de um novo culto – o daqueles que se prostram diante do que é inanimado. Anda pior do que os irracionais, porque estes nunca erram nem prevaricam se seguirem o instinto; o homem, se faltar ao dever, age com culpa, fora os casos extremos de não-exigibilidade. E, cedo ou tarde, pagará por isso!

O Mundo, está visto, perdeu o sentido de tudo que é autenticamente sagrado. Quanto mais se desvia de Deus, mais o homem se afunda.1 Degrau a degrau, foi o homem descendo na escala da própria dignidade: como Lúcifer, revoltou-se primeiro contra Deus; depois, endeusou-se a si mesmo; hoje em dia, adora a matéria.

A degradação de Portugal não é um processo separado do que atinge o resto do Mundo e a sua explicação mais profunda radica no que acaba de expor-se. O resto são acidentes de um só percurso, ao qual não temos sido capazes de fugir.

Por conseguinte, provém de desvarios muito antigos a lepra que cobre Portugal e só agora veio a estender-se com mais intensidade, desfigurando-o a ponto de o tornar quase irreconhecível. A presente hora é sombria e nem outra coisa havia a esperar.

Passemos, pois, em veloz revista, o momento que se vive:

Pode o demónio da Troika entrar por aí e ditar leis em nossa casa, que isso não nos dói: organizam-se umas manifestações de protesto; vomita-se um chorrilho de injúrias nas redes sociais; e toca a descansar que a canseira sofrida já foi demais. Nem interessa perguntar à história quem talou o nosso solo, trucidou populações, pilhou as nossas igrejas: o melhor será olvidar esses eventos, carregados do bafo pestilento da Bastilha e enodoados pelo sangue da guilhotina, autênticas ninharias, não há que ver, dando assim prova de coerência com o nosso proverbial feitio de passa-culpas. Prossigamos! Que os grifos do leopardo britânico, pelo menos desde Methuen, viessem rasgar, dolorosamente e fibra a fibra as carnes de Portugal, é assunto irrelevante que não tem de afligir: vão-nos salvando as meninas do bom tom, falando português com um acento very british, numa linguagem estafada, e além disso pedantesca como tudo o que é copiado, mormente quando é grosseira a imitação. Também pouco ou mesmo nada importa que lá das bandas dos States, furiosos tufões, que ciclicamente se levantam por Wall Street, deitem por terra o equilíbrio de muitas economias. E cala-se a notícia de que a Casa Branca de braço dado ao Capitólio, tendo o Pentágono como virtuoso, multiplicam guerras para, em seguida, os seus dirigentes se apresentarem ao Mundo como cruzados. Não se sabe bem de que causa são cruzados estes Americanos, porque são cruzados sem credo para pregar, privados de qualquer doutrina, despojados de semente que frutifique – o rasto que deixam é o de um vazio confrangedor, e este deserto moral é o espelho da sua alma. Todavia, disto tudo, que é muito, que é grave, e de outras escondidas ameaças, nada conta para preocupação da nossa gente. O que monta, aquilo que nos inquieta é a velha ameaça do leão espanhol, sempre à espreita, rondando a porta, mal pavoroso ao qual temos de opor, se queremos sobreviver, a altíssima missão de recuperar Olivença. Numa crónica, infeliz e apagada obsessão contra o país vizinho, da qual o episódio de Olivença é apenas uma amostra, alheados das batalhas que vale a pena travar, vamos consumindo energias com sério risco de desaparecer como Nação. Porquê este mau agoiro? Porque, no mínimo por omissão, se está colaborando, com maior ou menor consciência daquilo que se faz, na obra de destruição que paulatinamente vai corroendo a nossa identidade genuína.

Num povo, onde ninguém apareceu com força suficiente para impedir uns desnaturados de estadearem a traição, entregando um império, continuarem alguns a tocar os clarins do combate a Castela, seria pilhéria de mau gosto, se antes não fosse imensamente perigoso. E como fenómeno vivo que é, indicia o sintoma funesto da nossa decomposição. Se a paranóia de Espanha é patriotismo, então o anafado marido de Madame Oriol, que Eça retratou com perícia magistral,2 também seria um exemplo de zelo da honra conjugal. Miseravelmente, aquele pobre homem confessava a sua indiferença perante as infidelidades da mulher, desde que ela o atraiçoasse só com amantes escolhidos na mesma roda social; explosão de brios ofendidos, apenas quando o parceiro de adultério era o trintanário. Esse estava proscrito! De forma análoga nos encontramos na matéria da qual, aqui e agora, se trata: alguns há que suportam todos os ataques à honra nacional na condição de não vir de Espanha a afronta: essa é o lacaio do conto queirosiano. Que desoladora mentalidade!

Hoje em dia, a Espanha não está menos de rastos do que nós. Efeitos de uma decadência moral e material para que a atirou o mesmo veneno que vimos tragando e nos vai matando --- a democracia misturada com o liberalismo. Que resultou desta simbiose? Tinha de gerar frutos daninhos: a ética degenerou em licenciosidade; a ordem pública tombou na anarquia; a liberdade, há muito desviada do seu exacto conceito, é hoje uma miragem, inútil como todos os enganos; a probidade foi substituída pela corrupção!

Não se creia por isto que Portugal nada tem a recear de Espanha. A crença numa aurora de paz universal soa a falso, e é a melopeia que a subversão serve em bandeja de ricos lavores para embalar os néscios. É evidente que esquecer a lição do pot de fer contre le pot de chair tem um nome: temeridade! E Portugal, enquanto não levar volta, é cada vez mais uma panela de barro, ao lado da panela de ferro que é Espanha, mesmo como agora ela está. Portanto, as nossas relações internacionais têm de ser orientadas pela medida da prudência. Relações com todos os Estados sem excepção, note-se! Centrar essa preocupação de reserva e cautela num único país, é não só doentio como também arrasta consigo o perigo de suicídio.

No entanto, contra tudo o que é previsível, se Espanha eventualmente avançar sobre Portugal, pratica um acto injusto e mete-se num aventura insensata. Ventos de separatismo, já tem que lhe chegue. É razoável supor que queira mais? De parte a parte, seria um conflito entre os que, por este andar, pouco falta para se estorcerem nas vascas da agonia. Contemplaríamos o espectáculo macabro de uma guerra de moribundos. Estão, por isso, anulados os projectos do iberismo? Nunca, frise-se de novo! Porém, se a indesejável união peninsular se consumar, se isso ocorrer, não se dará a anexação operada pelo lado de uma Espanha triunfante e dominadora, porque ao que assistiremos, nessa altura, será à diluição conjunta de ambas as nações no todo imenso de uma Europa disforme. Este, o dano irreparável que é de temer; entretanto, há quem prefira ficar-se pelo brado do "arreda Castela". Construtivo e heróico, não haja dúvida! Pobre Portugal e pobre Espanha se esta repulsa primária prevalecer sobre a decisão de lutar contra o que é verdadeiramente deletério. Oxalá venham os campeões dessa persistente aversão a convencer-se de que, faz tempo, o inimigo de Portugal mora dentro das suas próprias fronteiras.

No dia em que Portugal e Espanha recuperarem as suas raízes históricas, conservando intacto o dualismo político, poderão servir de exemplo ao Mundo de como a unidade moral não destrói fronteiras territoriais, nem acaba com soberanias distintas. No presente, nem pensar em acordos dessa espécie: a guerra de moribundos cederia a vez à aliança do sepulcro!

Deixemos a Península e estendamos o olhar até mais longe:

De novo treme o Mundo, ao ouvir o nome da Rússia. Não tardará que se volte ao maniqueísmo do pós-guerra: "se não te agrada o tio Sam, cuidado que vem aí o urso do Leste!" Simplesmente, pode suceder que, contrariamente ao esperado, o abraço yankee sufoque muito mais do que o russo. Não há asfixia mais dolorosa do que a angústia moral daquele que nada de bom ou de mau recebe e a quem cortaram o sopro anímico, roubando-lhe o fôlego que dá vida, uma vida que seja algo mais do que o mero existir; a Rússia é messiânica e, se nem sempre transportou uma fé que fosse luz e calor, iluminando todos os entendimentos e arrebatando vontades, o certo é que nunca surgiu sem trazer com ela uma mensagem. Das vezes que impôs o seu selo, mesmo quando foi um selo viciado e vinha envolto nas maiores violências, teve sempre o mérito de nunca esvaziar as mentes e secar os corações. Entretanto, a América rival como responde a isto? – Essa tem a generosidade de ofertar-nos os índices do Dow Jones e do Nasdaq! Mas dá mais: ao som das trombetas de um pretenso princípio de autodeterminação, ela tira do seu depósito de mitos estes dois tesouros: a utopia democrática e uma ilusão de liberdade! Como os distribui? – Simples brincadeira de crianças inocentes: derruba governos; semeia o caos; arrasa com bombardeamentos; e sobre as ruínas de uma terra devastada, para que não a caluniem acusando-a de tudo reduzir a pó e cinzas, cai em si e ergue um cemitério! Não realiza isto a felicidade dos povos?

Sob certo aspecto, mas muito mais ampliado, desenha-se hoje um quadro substancialmente parecido ao que a História registou no dealbar do séc. XIX. Por essa época, toda a Europa gemia debaixo da sola dos colossais exércitos franceses que, de arma ao ombro, desfilavam invictos do Atlântico aos Urais, tendo parado só em Moscovo. Quem foi, então, o campeão que ousou desafiar o poderio de Napoleão com o fim de derrotá-lo? – A Santa Aliança, coligação de nações, cuja alma foi a Rússia, que entretanto expulsava do seu território le petit corse! Que papel reservará o futuro próximo à Rússia milenar? Custa assim tanto aceitar que há-de ser idêntico, no esforço despendido e no êxito obtido? Se o cepticismo tomou conta dos homens e o relativismo matou toda a certeza legítima, não pode haver esperança em quem por tal modo perdeu o sentido do absoluto, e não admira que o caminho venha a abrir-se àqueles que guardam a noção dos valores que perduram. A Rússia tem essa noção!

Assim é o cenário que rodeia Portugal. Convenhamos que nada mostra de atraente. Na encruzilhada que se abre, num Mundo progressivamente mais dividido e mais desconfiado, cumpre aos Portugueses optar por uma via. Façamos votos de que, na esteira da nossa secular tradição, essa escolha seja ditada não por rancores ou ressentimentos, mas sim pelos interesses superiores da Nação.

O amor a Portugal não se alimenta de ódios a nada nem a ninguém. Com efeito, ódio e amor não combinam. É até perfeitamente ajustado afirmar que se excluem mutuamente. A incompatibilidade entre amor e ódio é total, porque coração onde o ódio cabe, é necessariamente coração incapaz de amar. Depois de Deus, o amor à Pátria é o mais sagrado amor que há. Não está acima, nem abaixo do amor aos Pais porque é determinado por estes: é pelos Pais que conhecemos a Pátria e para ela nascemos, mas já é mais difícil conceber o contrário, se temos a desventura de não saber quem são os nossos Pais. Não se estabelece com isto nenhuma primazia; procura-se apenas enunciar a relação de afinidade entre dois deveres indiscutíveis, definindo bem os seus contornos. Cientes desta ligação natural, somos levados a pensar que este nexo, sem sofrer alteração, se estende por um universo de pessoas, o que automaticamente transmite à Pátria uma identidade de valor transcendente e que é inconfundível: alfobre prodigioso de famílias constituindo os anéis vivos de uma formidável cadeia humana, corpo místico que se renova, de geração em geração, porque os seus membros vão coexistindo e sucedendo uns aos outros, alongando-se no tempo e no espaço, eis o que a Pátria é. Daí que à Pátria tenhamos de tributar um excelso amor. Consequentemente, o amor, que é devido à Pátria, tem de ser um amor limpo de todas as cargas negativas porque estas só viriam enodoar a beleza de tão sublime sentimento!

Pisando estes domínios, com passo bem seguro, Alfredo Pimenta não se enganava quando, desassombradamente, sem vacilações nem ambiguidades, punha a Nação acima de tudo. E como esta exaltação candente tinha virtualidade bastante para causar alvoroto derivado da surpresa pela tese inusitada, logo o insigne Mestre da Portugalidade sossegava essas consciências mais escrupulosas e, firme na sua sabedoria, inabalável na sua convicção, esclarecia com placidez que «sem Deus, é a Nação sem alma; sem Rei, é a Nação acéfala.»3, acrescentando que «(...) sem Deus, a Pátria é um mito, sem o Rei, nem o Poder de Deus encontra o seu legítimo executor, no mundo da Política, nem a Pátria possui o elo que prende eficazmente, através dos tempos as gerações, e as torna solidárias ou colaboradoras na procura normal dos seus destinos.»4

A concepção, que Pimenta desvela ao nosso olhar, representa uma visão integral de Pátria, que confessa Deus e aclama o Rei. Não choca nem repugna. E merece destaque que este autor, depois de fazer profissão de fé na existência de Deus e reconhecer o Seu poder no regimento dos negócios temporais porque d' Ele é o governo do mundo, acabe atribuindo à realeza a função mais característica da sua essência – a de ser cabeça da grei! Com efeito, se nos lembrarmos que o Rei, além de Rei e antes de o ser, é um chefe de família, depressa compreenderemos como estruturalmente a monarquia é um conjunto de famílias, que buscam lição e aproveitam o exemplo numa delas, na qual se revêem. Neste processo forma­-se uma comunidade política, que mergulha no passado, atravessa as idades e tem vocação de futuro, com isto nos oferecendo, como já referido, a grata imagem de Pátria, rica de tantos sacrifícios gloriosos, e prenhe de ridentes promessas enquanto Deus for servido!

O último envolvimento de Portugal num projecto de cariz nacional foi, inequivocamente, a guerra do Ultramar. Não está o desalento na derrota em que acabou esse moderno Alcácer-Quibir, mas sim no comportamento de todos os que ali intervieram com consciência de que cumpriam um dever indeclinável e nobilitante. A obrigação pretérita não terminou com a felonia praticada. Muito pelo contrário, aumentou. Porém, até ao presente, nada se fez. E seria bem melhor ter pressa porque já não resta muito tempo à geração que lá andou. À tarefa de recuperar o que se perdeu, não há-de ser estranho um propósito de catarse redentora da dignidade e da honra que os traidores enlamearam. Isto tem sabor de penitência porque é verdadeira expiação de uma culpa em que incorreram todos quantos viveram esse período, uns por acção ominosa e os outros no grau exacto da sua omissão.

Há poucos meses, Mário Soares, um dos maiores traidores de sempre na já longa história de Portugal, alertava para a eventualidade de uma guerra civil, que seria, no seu entender, a réplica imediata a uma mexida na Constituição.5 Porque o fez? Provavelmente porque o projecto de alteração não lhe assentou de modo satisfatório, ou buscou talvez o sensacionalismo que tanto é do seu agrado. Por isto ou por aquilo, reagiu deste jeito.

Seja a razão qual for, saindo daquela boca, o mais certo é ser palavreado oco! Soares fala assim porque bem sabe que pode agitar esse fantasma sem qualquer risco de que ele surja nos próximos tempos. Porventura, já regressaram a coragem e a tenacidade indispensáveis para uma guerra (e para mais uma guerra civil)? Pelo menos, sinais disso não se descortinam e, por isso, vai acontecendo o que vemos. Quando o pundonor voltar, a música será outra. E lá que há-de vir, isso flui inevitavelmente do determinismo que rege as relações humanas, consideradas estas na sua generalidade, porque as sociedades, como os indivíduos, também possuem o seu instinto de sobrevivência. Tem a particularidade de ser um movimento de gestação lenta por força da sua natureza colectiva, com tudo que lhe está inerente. E isso demora a resposta.

S. Tomás de Aquino, para que a guerra fosse lícita, defendia que tinham de somar-se três elementos, em perfeita concórdia: a autoridade do príncipe; ser justa a causa pela qual se luta; e, por fim, recta intenção por parte de quem move a guerra.6 Faltando um destes componentes, a guerra não tem justificação. Guerra e sedição reclamam tratamento análogo. Nestes termos, o que for justo num lado, sê-lo-á igualmente no outro. Não é raro que a sedição conduza a um conflito bélico dentro da mesma comunidade nacional. A diferença mais acentuada é, pois, uma eventual questão de precedência. Num breve sumário, alinhemos as condições exigidas para que se possa partir para uma rebelião, no caso concreto de Portugal:

·         Um chefe – Por enquanto, não se lobriga.

·         Congregar vontades – Não é o mesmo que um piquenique: as pessoas, apesar das dificuldades económicas (reais umas, imaginadas as outras) habituaram-se a um certo bem-estar material, custoso de abandonar. E, além disso, o que mais pesa: numa guerra há mortos!

·         Traçar objectivos – Quando uns desgraçados saíram com tanques para a rua, na triste madrugada de um Abril já distante, iam com um propósito claro: não ignoravam que caídas certas cabeças, o sistema iria a terra como de facto aconteceu. Mas, hoje, ainda que tenhamos garantido o que vem nos dois primeiros pontos, não temos a mais pequena informação de quem há-de ser neutralizado, porque é dado líquido que, na maioria dos cargos, os amos do poder efectivo não são indissociáveis  dos que ocupam os postos de mando, e se conhecemos estes, pouco ou nada se vê dos outros. Além disso, mesmo que os encontrássemos, não se sabe por quem os substituir num terreno podre como está o cenário político português. De resto, falta assentar na política que deverá ser instaurada.

·         Há ainda outra condição a preencher e é aquela a respeito da qual teólogos e publicistas mais ortodoxos sempre convergiram – a de que, dentro de uma razoável prognose, a insurreição não traga maior dano à comunidade do que o regime perverso ao qual se pretende pôr cobro. Ora isto só pode observar-se quando se verificam os requisitos anteriormente enunciados. De outro modo, será um motim desordenado, que se alargaria a sectores da população, mais ou menos extensos.

Esta exposição, não obstante o que tem de sucinta ou até por esse mesmo motivo, esclarece eloquentemente quanto aos escolhos que há a vencer. Isto traz-nos a pálida imagem do que nos aguarda numas proporções possivelmente gigantescas, se queremos, como devemos, pôr termo à crise real. Essa crise é a situação interna, que nos desgasta, e não a Espanha do pesadelo em que alguns, num delírio febricitante, a pretendem transformar. Essa crise, enfim, é reflexo da iniquidade que temos dentro de portas, e que não constitui caso isolado num Mundo em desalinho. Só essa crise é que corporiza o mal que temos de debelar e apenas ela devia constituir a nossa dor de cabeça.

Não nos espantemos se a contenda que fatalmente há-de estalar, provocada pela revolução que escraviza o Mundo, venha a assumir um aspecto distinto. Não será já uma guerra civil nos moldes clássicos. O Mundo não é o mesmo, muitas coisas se alteraram na substância e na forma. É outro o quadro, na sua especificidade e nos contornos que apresenta. Tudo, pois, se encaminha para um fenómeno novo, porque o pleito, que se vai discutir, debate-se à escala planetária e será uma polémica cruenta num confronto da civilização contra a barbárie.

Se assim suceder, não sairá deslocado chamar-lhe a III Guerra Mundial. Queira Deus que seja a última, e que a Paz desça sobre a Terra. A Paz, sim, mas a Paz que repousa sobre a Virtude e a Justiça, e nunca a quietude do conformismo, das demissões, do indiferentismo. Em suma: a Paz de Deus, que é a única apetecível porque só ela consola!

 

Joaquim Maria Cymbron

___________________________________________________________

1.       Proverbia, 14, 34.

2.      A Cidade e as Serras, Lello & Irmão - Editores, Porto, pp. 119 e s.

3.      As três verdades vencidas, Organizações Bloco, Limitada, Lisboa 1949, p. II.

4.      Ib., pp. 21 e s.

5.      http://www.noticiasaominuto.com/politica/17633/soares-alterar-a-constitui%C3%A7%C3%A3o-%E2%80%9Cdaria-uma-guerra-civil%E2%80%9D.

6.      Summa Theologica, 2-2, q. 40, art. 1.

 

 JMC