sábado, 1 de junho de 2019

DIA DA MARINHA EM COIMBRA



Para o que se tornou meu hábito escrever neste blogue, apresenta-se notoriamente curto o que hoje publico. É simples a explicação: o episódio, que relato, está marcado por uma nota castrense; e a linguagem de militares ou para militares só resulta inteligível, quando obedece a um estilo – aquele que vai  directo ao núcleo da questão!
Especulações, essas ficam a cargo dos políticos.


A Marinha escolheu Coimbra para palco dos eventos com que celebrou o seu dia neste ano de 2019.

Na cerimónia militar, usou da palavra S. Ex.ª o CEMA. Justificando o esforço desenvolvido para captar gente moça, o Vice-Almirante Mendes Calado destacou as possibilidades de valorização pessoal, que a Marinha proporciona, afirmando que «(...) na Marinha é possível atuar no mar, em terra e no ar, onde e quando necessário, salvando vidas, protegendo os nossos recursos, investigando o oceano e, se requerido, combatendo por Portugal!»1

Nada a estranhar neste excerto se não fora o segmento final. Ali se lê que se combate por Portugal, «se requerido».

Muito bem! Pergunta-se, então: Quem é o requerente? Se era ideia do orador incluir nas missões da Marinha a de combater por Portugal, quando as circunstâncias o requerem, temos que as suas palavras são sábias. Todavia, o pior é que isso não resulta claramente da letra do discurso, a qual neste ponto, força é dizê-lo, abre via a muitos entendimentos.

Na estrutura de um discurso escrito ou oral, é certo que deve prestar-se atenção à sequência de exposição das palavras que o compõem. Embora não necessariamente, essa disposição é capaz de influir na interpretação do mesmo.

Considerando, porém, a altíssima hierarquia do autor desta peça, devemos admitir que o seu pensamento não se afastará uma polegada do que é a vocação primacial de qualquer corpo militar, seja ele qual for, maxime tratando-se da Armada de Portugal, rica em tantas e tão gloriosas tradições. E porque fora disto, se entra no domínio das conjecturas, processo ao qual falta dignidade para que o sigamos, vamos adiante:

Ninguém, de seu perfeito juízo, regateia louvores às diversas polícias que nos servem; às unidades de bombeiros sempre prontos a dar a vida pelo seu semelhante; à protecção civil; ou a quaisquer outros movimentos cívicos formados ou a formar, desde que mostrem abnegação. Em todas as acções que constituem missão destes organismos, nenhum argumento há para não intervirem também as forças navais. Dir-se-á mesmo que isso é um imperativo ético!

Mas por mais meritórias que sejam essas funções, a  razão de ser da Marinha de Guerra é bem outra.

As Forças Armadas têm filosofia diferente da sociedade civil, em que se integram e que servem. Provém essa diferença da sua génese; do seu viver; e dos reais fins para que existem. A sua mentalidade foi moldada, pois, por tudo isto junto, mas predominantemente pelo último motivo. Com efeito, o destino dos corpos militares está definido sem ambiguidades – a defesa da Pátria contra o inimigo externo ou interno!

Nenhum poder político traçou este rumo, como também não conseguirá que dele se desviem as Forças Armadas. A consciência, que as lança nessa rota, fala com a eloquência própria de um grito de alma profundamente gravado nos tecidos da sua memória colectiva.

Monarquia ou república; sistemas de autoridade bem marcada ou as águas mornas da praxis democrática; ditaduras de sufoco ou a caprichosa prepotência das balbúrdias demagógicas, tudo isto é apenas um amontoado de trajes, que vão cobrindo uma Pátria ao longo do seu percurso histórico. Porém, nenhuma destas roupagens lhe dá a feição por que é conhecida e venerada – a Pátria é uma linha que o tempo desenha, geração após geração. Nunca desapareceu, apesar dos sobressaltos que a sacodem de quando em quando, porque a sua identidade transcendente permanece. Daqui, impende sobre as Forças Armadas o dever sagrado de se manterem fiéis ao mandato que lhes chega do passado – garantir condições para a preservação do Bem Comum!

Ao sublinhar o que é, especificamente, não a tarefa confiada às Forças Armadas, mas sim o que delas se espera porque constitui a sua essência, contribui-se para uma melhor ordem daquilo que faz parte do palco em que não podemos deixar de nos colocar – a comunidade humana.

Os dias, que passam, oferecem-nos uma autêntica babel de conceitos. Procuremos separar o que é distinto:

Em culturas como é a portuguesa, erguem-se duas instituições que acompanham os passos dos povos – a religiosa e a militar:

No seu múnus espiritual, os sacerdotes de qualquer culto não têm de ser guiados pelos profanos, nem devem ditar leis temporais: estão à parte; situam-se num patamar que se ergue isolado e que, em certo sentido, se encontra bem acima dos governos dos seus fiéis.

De modo análogo, não cabe às Forças Armadas o exercício da política, assim como não se encontram vinculadas a uma obediência incondicional por parte de quem detém o poder civil; por outro lado e à semelhança das sociedades religiosas, também as Forças Armadas, não obstante o que isso possa contrariar as boas consciências burguesas, são uma instituição que paira em alturas dificilmente acessíveis.2

As Forças Armadas, com todos os defeitos inerentes à condição humana, continuam a ser aquela instituição que as gentes, ao longo dos séculos, se habituaram a ver como sendo depositárias das mais nobres virtudes da espécie a que pertencemos. É assim que duram, e deste modo são olhadas e admiradas!

VIVA PORTUGAL
­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­

Joaquim Maria Cymbron

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  1. https://www.marinha.pt/pt/media-center/discursos/Documents/DiscursoDM19.pdf.
  2. Ao glorioso C.el de Cavalaria Duarte Pamplona, primeiro oficial português a ser agraciado com a Torre e Espada, na Guerra do Ultramar, ouvi-o dizer que «ser soldado é quase um sacramento.»


JMC