O dualismo político da Península deve fazer
parte do ideário de qualquer legitimista português. Não é uma questão
nostálgica. A Tradição nada tem de conservadora – é um valor permanente e, por
isso, actual!
A criação deste dualismo no passado, quando eram bem menos graves as
razões que o ditaram, parece-me um desígnio da Providência. Nessa altura,
tratou-se de um impulso nacional. Hoje, ele impõe-se em nome de um motivo que
transcende sonhos renovados de grandeza territorial: o porquê do dualismo
político na Península está na necessidade de salvar uma civilização.
Portugal e Espanha, os dois povos que, na história do Cristianismo, mais
longe levaram a semente do Evangelho e a lançaram em terras virgens da palavra
eterna; Portugal e Espanha, duas nações provadíssimas na defesa da ortodoxia,
tantas vezes selada com o sangue dos seus melhores filhos, têm agora ocasião
soberba de voltar a dar ao mundo um exemplo ainda mais expressivo do que a
lição de quinhentos. Numa Europa, que cresce em dimensão geográfica na
proporção do seu decaimento político, as duas nações peninsulares podem ensinar
que a unidade moral não exige que se risquem fronteiras.
Nunca precisei de odiar Espanha para amar Portugal. E amá-lo como ele merece
é tão exigente que não me sobra tempo para sentimentos mesquinhos. De resto,
nutro por Espanha sincera amizade e muita admiração. O que, de modo nenhum,
diminui a minha preocupação constante, depois do amor a Deus – servir Portugal
como devo e até onde for capaz.
O texto, que segue, esforçou-se por ser eminentemente português. E,
dentro da vocação universalista de Portugal, não é contra povo algum.
Só Espanha cumpriu missão idêntica à nossa: daí, o laço moral que seria
trágico esquecer! Mas se é o mesmo o carácter, já os temperamentos revelam
distintas particularidades: também por aqui, convém que prevaleça o
dualismo político!
Vou discorrer sobre Portugal e quero fazê-lo numa perspectiva de
passado, presente e futuro.
Porém, antes de dar entrada nesta
matéria, que meta deve ser a nossa? – Muito simplesmente isto e nunca menos do
que isto: orientar a Nação no sentido do seu destino transcendente, para voltar
a ligá-la aos valores da civilização que ela espalhou e da cultura que ela
transmitiu.
Alguns retorquirão talvez que
Portugal, quando iniciou a sua epopeia, era pequeno, mas possuía uma vida
estuante, e hoje encontra-se exangue. Dir-me-ão que estamos na indigência e
lembrar-me-ão até o ditado: "Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém
tem razão." Perfeito! Não serei eu quem negue valor a esse adágio de
colorido recorte popular, embora lhe contraponha isto que julgo ainda mais
verdadeiro: "Casa onde não há razão, cedo ou tarde todos ficarão sem pão."
Portanto, trate-se primeiro de pôr ordem na casa; o resto virá depois.
Não me resigno à ideia deprimente de que Portugal morreu. A
Pátria está muito doente, entrou mesmo em colapso, mas não é a primeira vez que
isto lhe sucede e, conquanto seja esta a mais grave, de todas ela tem saído
quase como das cinzas renascia a Fénix mitológica. Eu não acredito no
determinismo. O destino fatal só existe quando os homens descrêem de Deus e
cruzam os braços. Não vejo causa para desespero total, apesar de muita coisa
altamente apreensiva.
A força de Portugal sempre se afirmou bastante mais no espírito
incomensurado do que na matéria extensa: em pequeno corpo pode habitar uma
grande alma.
Olhemos melhor o quadro de
Portugal:
Portugal é, nos dias que correm,
um País divorciado das glórias que ainda lhe estavam reservadas. E isto,
porquê? – Porque a sua vocação histórica foi abafada, a sua rota foi desviada e
tudo aconteceu e permanece de um modo abusivo e traiçoeiro.
A sua missão era civilizar. Contudo, a partir de certa altura,
os seus homens públicos mais eminentes deram a impressão de se envergonhar
desse objectivo sublime, parece que começaram a detestar a tarefa entre todas
bela que era a de fazer Cristandade. Só ensinando pela palavra e mostrando pelo
exemplo a religião católica, se pode realizar obra civilizadora. Assim o
entenderam e praticaram os antigos portugueses e, enquanto o entenderam e
praticaram, a presença de Portugal no mundo foi fecunda.
No entanto, aconteceu que a Nação,
devido à má política dos que a dirigiam, se apartou a pouco e pouco da sua
finalidade principal até que algozes abjectos a manietaram no cadafalso, em que
são justiçadas a desonra e a infâmia, como se a Pátria tivesse outra culpa que
não fosse a vulnerabilidade à desgraçada sorte de expiar aos pés dos traidores
de hoje os crimes de uns traidores de um passado mais ou menos recente.
De qualquer forma, não seja esta
vileza inqualificável, que na sequência de outras prostrou o País, não seja
ela, repiso, um peso que diminua as nossas forças para reagir, porque é de
esperar que tudo aquilo que de imensamente bom se fez, ao longo de um esforço
prolongado de séculos, não ficará estragado pela torpeza de uma demissão
execranda. Recordemos a história da nossa Pátria e nela acharemos fartos
motivos para cobrar alento e tirar Portugal da miséria em que se atolou. A
história contém essas lições admiráveis, e como não estão ainda sepultadas as
virtudes ancestrais da Raça, dessa Raça que deu de si «as armas e os barões
assinalados»,1 conforme regista o épico, confiemos em que Portugal
se erguerá uma vez mais.
A gesta cantada nas estrofes
rimadas de Os Lusíadas perpetua, em certeza e em beleza, a memória de um
povo. Quem se envergonha dela? A ignomínia está no quotidiano que vivemos. O
passado foi invulgarmente bonito porque estava orientado para um fim grandioso,
temporal e espiritual.
Custará muito recuperar essa
dimensão, mas Portugal tem de ser redimido. Eu sei que esta ideia é considerada
por bastante gente um sonho. Seja! Porém, meditemos bem e já veremos como
sonhar redimir Portugal é um anseio lindo. É um anseio lindo, repito, porque
depois do sonho pode seguir-se a obra.
Não sonharam aqueles que se passaram a Ceuta, alcançaram a
Índia, tocaram no Brasil, atingiram o Oriente, derramaram a civilização e espalharam
uma cultura sobre todo este planeta e «isto navegando por tantas mil léguas que
vêm a ser antípodas de sua própria Pátria», como disse João de Barros?2
Eu pergunto, de novo: não sonharam eles? E, no entanto, os oceanos foram
sulcados; os continentes estreitaram-se; o nome de Portugal tornou-se
conhecido; e as nações habituaram-se a admirá-lo.
Foi uma empresa descomunal para os
exíguos recursos materiais de um povo, mas concretizou-se porque os nossos avós
souberam converter em realidade aquilo que sonharam. Homens com esperança, eram
também homens de acção. E nós, seus herdeiros, devemos seguir-lhes o exemplo,
hoje mais do que nunca, porque hoje cumpre-nos apagar a tremenda afronta
cuspida sobre as ossadas dos nossos mortos, e lavar o ultraje sem nome que foi
lançado sobre a sua veneranda memória.
Junto à povoação da Batalha,
levanta-se, conforme é do conhecimento geral, um formosíssimo mosteiro.
Recordar aquele monumento consiste, para mim, entre outras coisas, em recordar
Mestre Afonso Domingues e o que ele fez. Cabe aqui mais uma interrogação: não
sonhou o grande arquitecto? – Ele não via. Contudo, na noite luminosa da sua
cegueira física, descortinou um astro resplandecente de beleza e rutilante de
luz. Afonso Domingues, honra e glória da arquitectura nacional, sonhou primeiro
e o seu génio criador ofertou-nos, depois, a obra-prima que é a abóboda da sala
do capítulo.
E, de cada encontro com o
Mosteiro, fica-me sempre para relatar outra coisa bem mais singular. Acho-me
incapaz de dizer que ele pode ser contemplado por qualquer um que chegue à sua
beira. Não sei, porque vou ao ponto de admitir que é o Mosteiro a olhar o
visitante e que, da sua mudez de pedra, saem palavras sentidas e comovidas que
nos contam a razão da sua existência:
O Mosteiro nasceu em cumprimento
de um voto e assim já deu testemunho, testemunha e testemunhará, enquanto Deus
o quiser, a tarde épica que se viveu sobre os campos que lhe são vizinhos, ele
traz-nos, no fino lavor da sua traça, os ecos formidáveis de Aljubarrota.
Aljubarrota foi uma polémica
rápida, mas uma polémica gigantesca e medonha, em que se respondeu com o tinir
de ferros de parte a parte, e a tinta que ali correu era sangue, porque a
questão que se dirimia era uma questão de vida ou de morte, era um ponto de
honra ou opróbrio, era escolher entre consolidar uma independência ou
desaparecer como nação. Os nossos antepassados decidiram-se pelo caminho da
honra e, por isso, Portugal sobreviveu para ir ao encontro das glórias que o
esperavam, porque, sendo capaz de as ver, soube querê-las e, durante largo
tempo, foi digno delas.
Começava um período deslumbrante
para a nação portuguesa. Portugal arrancava para escrever na história páginas
de um brilho que a memória dos homens não esquecerá, Portugal ia deixar
profundamente gravada a lembrança de feitos que são causa de justo orgulho para
a nação que os pratica.
Mas em 1578, nos areais adustos de
África, uma derrota militar cortou o fio do nosso destino histórico. Ao
insucesso bélico somou-se a perfídia de muita defecção. Então, como mais tarde,
quando as tropas de Napoleão pisaram o nosso solo, os que franquearam as portas
ao estrangeiro, eram naturais da nossa terra. Aí, como no presente, foram estas
felonias praticadas por quem falava português. Monstruosa aberração!
Hoje, aquilo a que assistimos,
para lá de algumas semelhanças, é uma situação sem paralelo na nossa história,
enfim, há uma novidade. E como todas as novidades, também esta desperta
curiosidade, embora o seu conteúdo seja muito triste e imensamente trágico. Por
isso, antes de prosseguir, convém que ela seja analisada.
Como a seguir à morte de D.
Fernando, como depois de Alcácer-Quibir, como durante a regência do futuro D.
João VI, o 25 de Abril soltou um cortejo de traidores aos sagrados
interesses de Portugal. Renegar o chão pátrio é renegar a identidade nacional.
Uma miséria dessas, uma baixeza assim profunda, esteve para acontecer depois de
1383, praticaram-na os descendentes dos preclaros varões do início de quinhentos,
saborearam-na com gozo os que saíram a receber Junot, e hoje temo-la, mais uma
vez, diante dos olhos. Até aqui, as parecenças.
Vou recapitular e desenvolver um
pouco mais estas três situações que bem necessário é para poder continuar:
Com a morte de D. Fernando, surgiu
em Portugal uma crise dinástica que trouxe o País na iminência de não chegar a
firmar-se como nação livre e independente. Mas devido à actuação de um homem
providencial, esse herói e santo que foi Nuno Álvares, flor imarcessível da Cavalaria
da Idade Média, devido à sua actuação, torno a insistir, levantava-se o
fermento da reacção que depressa se iria espalhando por todo o Reino impedindo
assim a fusão do nosso País com Castela. Iniciava-se aí o sábio dualismo
político que, volvido um século, faria a glória tanto de Portugal como da
vizinha Espanha.
Este movimento vinha dois anos
depois a sentar no trono o filho do Justiceiro e de Teresa Lourenço. Nessa hora
tremenda da sua vida colectiva, os Portugueses erguiam-se como se formassem um
só corpo e juravam fidelidade àquele a quem, familiarmente, tratavam por
Mestre. Chegava-se, assim, às Cortes de Coimbra de 1385 que outra coisa não
foram senão a cerimónia oficial do que era a expressão de uma legitimidade
insofismável: a Nação, devidamente representada, reconhecia a dignidade real de
D. João, Mestre de Avis, porque ele reunia às razões fortíssimas do sangue os
motivos ainda mais ponderosos de se identificar com os interesses da grei.
Passo agora a panorama diverso, e
detenho-me no ano de 1580, quando, pela ausência de chefes, o País soçobrou,
enquanto se verificava um ou outro esboço de reacção tíbia da parte de um povo
enfraquecido por um lento processo de decomposição moral, de que lhe era dado o
tom pela classe dirigente, esquecida das suas obrigações históricas.
Dois anos antes, mergulhara
Portugal no desastre material de Alcácer-Quibir. Desastre material, disse eu,
porque esse foi o aspecto em que fracassou a jornada de Marrocos. No mais, essa
batalha ficará para sempre como uma tentativa do espírito querendo sacudir o
jugo da acção que já principiava a desenhar-se: era o esforço para relançar as
bases de um império belo e florescente, um império justo e forte, regido por um
poder temporal inspirado nos princípios cristãos.
Encabeçou esse movimento o moço
Rei D. Sebastião, que não viu concretizado o seu empenho. Deixou-se levar por
um temperamento excessivamente arrebatado; cometeu exageros, é certo; e não
terá sido um político, muito menos um político frio e calculista. Todavia, foi indubitavelmente
a personificação de algo superior e a elevadíssima missão, que projectou,
coroada pelo seu trágico desaparecimento, conferiu-lhe uma dimensão histórica
invulgar.
Desgraçadamente, com D.
Sebastião não se foi só um exército: uma nação em peso, a nação
portuguesa, completamente desarticulada, era desviada de um percurso que, cerca
de dois séculos antes, se lhe abrira num sorriso esplêndido em Aljubarrota.
Quedou-se, pois, Portugal sem rei nem roque, com um Prior do Crato animado,
talvez, de bons propósitos, mas incapaz de dar governo a um país desnorteado.
Poucos anos antes, tirara Camões
da sua pena estes versos: «O favor com que mais se acende o engenho / Não no dá
a Pátria, não, que está metida / No gosto da cobiça e na rudeza / Duma austera,
apagada e vil tristeza.»3 Desta decadência era culpado o escol. E o
povo, de rastos, sem chefes há muito tempo, era um imenso corpo passivo e presa
fácil do duque de Alba, o qual, à cabeça dos seus aguerridos terços, acabou por
entrar em Portugal, garantindo previamente, pela força das armas, as pretensões
de Filipe II de Espanha.
Foram já lembrados dois momentos
de crise. Examinarei, em seguida, o último que me propus ver com algum vagar, o
qual deixou marcas profundíssimas, cujos efeitos se fazem ainda sentir desde
que, em Évora-Monte, foi imolada a legitimidade.
Sendo regente o filho de D. Maria
I, foi invadido o território de Portugal. Eram os exércitos do tigre da
Córsega, que traziam os erros da Revolução de 1789, pretenso remédio a esse mal
que foi o regalismo absolutista, gerado com alguma antecedência no mesmo ventre
daninho e aplicado entre nós, intencionalmente e com mão de mestre, pelo
desumano ministro de D. José I. Precipitavam-se os acontecimentos: a família
real retirava-se para o Brasil; no Reino, ficava uma Junta que pouco tempo
teria de vida, pois Junot haveria de dissolvê-la. E, no meio dos mais variados
acontecimentos, sofrendo o País o luto, a dor e a miséria, que três invasões
lhe causaram, lá se conseguiu definitivamente expulsar o inimigo.
Contudo, o ar ficou empestado.
Caldeadas e debatidas nas lojas secretas, servidas por um exército bem treinado
– o jacobinismo – as ideias do século, ajudadas pelas armas triunfantes de
Napoleão, que não foi só um fenómeno concomitante, mas o homem que as
ocorrências da época pediam, vieram explodir na Revolução de 1820. E, desde
então, parece que a paz fugiu do seio da família portuguesa. A Revolução
prendeu, nas suas garras afiadas, o corpo de Portugal.
Porém, eu salientei que existia
uma novidade na situação implantada pelo 25 de Abril. Referi-o há pouco
e vou dar provas.
Desta vez, ao contrário das
outras, Portugal não foi pisado por exércitos vindos de fora, mas aparece
trucidado. Quem o julgou e condenou? – A Revolução Universal!
Interporei duas palavras para tentar explicar como eu a entendo,
à luz do pensamento religioso e filosófico. Ela é a desobediência aos mandados
de Deus e requer ser vista de diferentes ângulos: o ângulo da ordem absoluta; o
da ordem relativa; e ainda um terceiro que é a ausência de ordem.
Quando se viola uma ordem que
observa os ditames de Deus, estamos perante a Revolução no seu expoente
mais formal, porque assistimos a uma atitude que é revolucionária num critério absoluto.
Contudo, se contra um ordenamento jurídico iníquo se levanta uma oposição
também esquecida da lei eterna, aí temos a Revolução numa dimensão
revolucionária relativamente à ordem estabelecida, sem que por isso a ordem
ameaçada perca a nota revolucionária que também a inquina. Por fim, sempre que
se cai na ausência de ordem ou anarquia, vemos que desse frenesi animal não sai
qualquer espécie de ordem e, se nem toda a ordem exclui a Revolução,
onde falta ordem está a Revolução!
Em Portugal, neste momento, está
consagrada uma ordem má e, a par dela, impera a anarquia porque a autoridade
constituída nem sequer é capaz de impor essa ordem. A Revolução triunfa,
pois, em toda a linha. Eis o ser medonho que proferiu a sentença contra a
Pátria, sentença executada pelos facínoras que se acobertavam cá dentro. Essa
quadrilha de desnaturados sacrificou Portugal como o bandido faz com a sua
vítima: implacável e com crueza!
O inglês Francis Bacon afirmava o
seguinte: «Quando os quatro pilares do governo (que são a religião, a justiça,
o conselho e o tesouro) estão abalados ou enfraquecidos pode o povo fazer
preces por melhores tempos.»4 Acontece que em Portugal estremecem os
quatro precisamente ao mesmo tempo: a religião católica que, censitariamente, é
dominante no País, vê fé e costumes, os dois bens máximos que a informam,
entregues nas mãos de um clero onde poucos são os que guardam fidelidade aos
votos assumidos; de tribunais, nem falar; os ministérios, que se sucedem uns
aos outros, parecem concorrer na ânsia de ver qual é o mais incompetente e o
mais abjecto; por último, é lícito perguntar se os cofres públicos, para lá das
sonoras declarações políticas sobre a crise mundial, guardam alguma coisa mais
de todo este processo de vesânia colectiva .
A desgraça, que atingiu Portugal,
alcançou proporções nunca dantes vistas: o País apresenta-se materialmente
arrasado e está muito desapoiado porque a asa tutelar dos seus maiores
desguarneceu-o desde que a traição e a malvadez, subindo a um grau impensável,
inverteram os valores chamando virtude ao crime e infâmia à honra. A subversão
instalou-se; a corrupção grassa assustadoramente; e conseguiu-se a proeza
espantosa de criar um sentimento de revolta, que é quase geral e toca campos
diametralmente opostos.
É ponto incontroverso que a vida
política do País se mostra agitada. Quem o provoca? Quais os culpados? – Os
responsáveis principais são aqueles que, à sombra de uma legislação perversa,
permitem um regime de licenciosidade e espalham a certeza da impunidade. Com
isto, regresso à afirmação feita atrás de que a Revolução, em Portugal e
agora, ganha em todos os campos.
Não continuo sem chamar a atenção
de todos e alertá-los contra a enorme e perniciosa influência de certas forças
secretas apostadas na ruína da civilização. A sua principal mola está na
Maçonaria, que impele a Revolução com o maior dinamismo e a mais
certeira táctica. Na funesta acção que desenvolve, ela não hesita em jogar com
o conluio de dois poderes pecaminosos: o ateísmo, que rodeia toda a casta de
totalitarismos, e a agiotagem da alta finança internacional.
Para escapar à servidão e evitar a
almoeda, Portugal precisa de guerreiros, de muitos e santos guerreiros que
hão-de pelejar o bom combate. E, acima destes guerreiros, reclama o chefe
legítimo. Porque declaro eu isto? – Pela simples razão de que sustento que não
há comunidade sem chefe, porque acho que só ligados estes dois elementos, têm
os povos existência digna e saudável, no conjunto harmonioso das figuras vivas dos
seus optimates, honorabiles e vulgus, num tempo ditado por
razões históricas e num espaço que essas mesmas razões confinam.
Passei de corrida alguns fastos de
Portugal. Procurei fazê-lo com clareza e, sobretudo, dentro da verdade. Agora,
volvendo os olhos para trás, resta-me esta impressão que infunde ânimo: sempre
que os valores supremos da nacionalidade perigaram, os Portugueses pareciam
recordar-se do grito lendário de Santa Maria de Almacave --- 'Nós e o nosso Rei
somos livres; as nossas mãos nos libertaram!'
Os partidos dão-nos essa
liberdade? – Por mim, reputo da mais elementar higiene mental a distinção entre
ter ou estar num partido e tomar partido.
Se, na batalha de S. Mamede,
seguir o pendão do Infante em lugar de entrar no bando de Fernão Peres de
Trava, significou tomar partido, também eu havia de tomar partido porque me
contariam no meio dos primeiros. Mais tarde, se ir atrás do Mestre de Avis em
vez de aclamar D. Beatriz ou mesmo os Infantes D. João ou D. Dinis, é tomar
partido, de novo eu o tomaria porque me ligava à sorte do futuro D. João I.
Depois, se nas Cortes de Almeirim imitar Febo Moniz, se traduz em tomar
partido, lá tomaria eu partido porque as minhas palavras não seriam diferentes
das daquele integérrimo procurador do povo. Se lançar-se um homem na procura de
rei natural como sucedeu em 1640, é tomar partido, mais uma vez eu o tomaria
porque logo aclamaria o chefe da sereníssima Casa de Bragança. Se, quando os
Franceses avançaram sobre Lisboa, ingressar na dura e penosa reacção contra
eles, queria dizer que se tomou partido, esse seria o meu comportamento.
E, ao lado destes exemplos, há
mais: há o das lutas intestinas em que nos envolvemos no século XIX. Então, se
com o regresso de D. Miguel à Pátria, em 1828, dar voz por ele contra o
Portugal bastardo, que principiava a instalar-se, é tomar partido, aí voltava
eu ao mesmo. Se, mais tarde, aproveitando a revolta contra os Cabrais, entrar
na tentativa de restauração tradicionalista, ainda isso é tomar partido, lá me
veriam no campo da Legitimidade. Daí
para diante, bom, daí para diante, a catástrofe engrossava qual vaga alterosa,
para tragar, agora um pouco, logo a seguir mais, este martirizado País.
Tomar partido é, pois, uma coisa
boa e deve ser feita quantas vezes for preciso; ter ou estar num partido,
nunca! Jogo com palavras? – Não! Elas são de uma transparência cristalina e
encerram um sentido bastante preciso: tomar partido é sinónimo de ir à guerra e
voltar; ter partido é um estado contínuo de guerra, pelo menos latente. Neste
momento, fiel aos meus princípios, não estou em nenhum partido, mas tomo
partido por Portugal e tomo partido pela Tradição.
A Pátria pede que a salvem. Como a
Ala dos Namorados, como a peonagem dos concelhos, nós seremos a geração que,
estranha aos funambulismos da democracia, não renuncia ao direito de escolher o
futuro; como os homens dessa tarde imorredoira ou os conjurados da manhã do 1.º
de Dezembro ou, ainda, como os que investiram contra os Franceses, não nos
deixaremos entravar com as peias de uma legalidade duvidosa, nem vamos
consentir que nos adormeçam com fábulas ocas e utopias vãs.
Ao longo desta meditação e quando me parecia adequado, fui entremeando versos de Camões. Não desejo fechar sem recomendar aos que me lêem a necessidade de se voltarem cada vez mais atentos para Os Lusíadas. E imediatamente formulo os meus votos mais calorosos para que se compreenda o significado da epopeia que aquele poema nos transmite, e se palpite ao vibrar das notas desse hino de encanto, porque se a Pátria já uma vez se sumiu no olvido da chama crepitante que Camões lhe legou, bem pode acontecer agora que ela reviva, se revivermos a mensagem de Camões!
Joaquim Maria Cymbron
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