segunda-feira, 22 de novembro de 2021

O REGRESSO DO MONSTRO

Está de volta o vírus matador? Pelo que foi posto a correr, parece que sim. E que é mais de recear: o que se anuncia; ou o anúncio que se faz? Quanto a mim, não há que ver: a resposta está no segundo termo da alternativa!

Ao arrazoado dos políticos, em volta de um mal por enquanto indefinido, já ouvi chamar discurso apocalíptico. Reprovo esta aproximação – o Apocalipse é possivelmente o livro de mais difícil leitura de toda a Bíblia, mas o Apocalipse não é, por certo, nenhuma Torre de Babel.

E como se reage a esta Torre de Babel? Por mais que isso possa contrariar alguém, direi que esses o fazem de forma bastante redutora.

Senão, vejamos:  

Ai de nós, porque vai a pique a economia! É o que mais se ouve nas hostes adversas às cadeias que a loucura de uma pandemia montada criou para nos pear a todos! Por mim, é este o brado de aflição: Deus nos acuda, porque nada mais se vê a não ser um desastre material!

Acaso é a economia a base de tudo que temos a viver? – É certo que o ar não chega para sustento do homem. Mas reduzir o statu uiae dos mortais a um mero processo que garanta a continuidade física de cada um de nós, coloca-nos num ponto sem horizontes de futuro. Insistir neste caminho, será privar-nos de uma dimensão situada muito acima do que nos é exibido no frio quadro de umas colunas do deve e do haver, tábua emocionalmente inexpressiva e carregada de uma nota bem contingente. Portanto, anda desumanizado o que se oferece aos nossos sentidos e, principalmente, se não for capaz de provocar-nos um deleite maior do que aquele que podemos atingir no gozo dos valores materiais. E ainda se espantam os povos que a mole de gente frustrada não pare de engrossar!

Porém, não será realmente o afundar da economia o maior perigo que devemos temer num futuro próximo? – Estou em crer que não! Digam os especialistas se não é verdade aquilo que o profano vê e que se reduz a linhas muito simples de entender: se alguns sectores da vida económica se sentem estrangulados, outros há que nunca encaixaram tanto dinheiro! Como se ousa, pois, falar em catástrofe económica?

Na análise da presente situação económica, é curiosa a tendência que coloca o perigo de ruína próxima como o mal que vai cair sobre os agentes que operam no mercado pelo lado da oferta. Pergunta-se: que sorte está reservada aos consumidores, os quais, pelo próprio jogo do movimento da oferta e da procura, perderam poder de compra? Não sofrem eles também os efeitos de uma pandemia, real ou simulada que ela seja?

Ninguém, pois, ignore que o curso quotidiano da vida económica não pode deixar de abranger tanto os que facturam como aqueles que gastam. Daqui, pois, ressalta como dado certo, esta conclusão: se o cliente desaparece por míngua de recursos, quem presta o serviço procurado, também não sobreviverá!

Entre o corpo económico e o de cada um de nós, cabe estabelecer um certo tipo de paralelismo. Assim, é evidente que o nosso organismo assimila o que pode revigorá-lo, e elimina o restante de forma análoga ao que, no processo económico, se verifica para alimento da comunidade e, mais tarde, perde a utilidade inicial sendo, por isso, lançado fora do circuito. São dois momentos indissociáveis: cindi-los é temeridade grosseira e votada ao insucesso. No entanto, porfia-se em buscar saída para o mal, ainda por cima através de um discurso grandemente afastado do rigor exigido nesta categoria de análises!

Estará na economia, porventura, a tábua de salvação para o Mundo que habitamos? – Já acima se disse que o homem carece de bens terrenos, que lhe permitam sobreviver. Este propósito é necessário à sua felicidade, mas não basta porque, acima do que é matéria, paira o espírito que nos vivifica! Não reconhecer esta verdade cristalina, da parte de quem o fizer, equivale à confissão de que se sente reduzido a um estado pouco menos que bestial.

Entretanto, algo há que confunde quem examina o procedimento dos que criticam os efeitos da pandemia. Senão, vejamos: num primeiro momento, deitam-se a carpir a sorte da economia, que antevêem calamitosa para o lado que já sabemos e com os resultados que nos são apontados; logo a seguir, persistem em maldizer as fabulosas receitas que, segundo eles, se vão arrecadando à custa das pesadas restrições, de toda a ordem, que nos atingem. É flagrante a contradição!

São incapazes de ver que há uns desgraçados sem saber onde gastar mais dinheiro em busca de meios que os livrem de um mal, muito possivelmente só real nas suas mentes perturbadas por uma acção concertada e de raiz diabólica. Não é razoável esperar que alguém tolere a posição insensata dos que esbravejam contra os negócios chorudos  que denunciam e, ao mesmo tempo, exigem que baixem os montantes que alguns agentes económicos têm vindo a encaixar.

Dentro do delírio, que se vive, como há quem tivesse querido e ainda queira que as coisas se configurem de outro modo? Com efeito, é muito difícil, para não adiantar que se apresenta de todo impossível, que a consequência não fosse a que temos à vista. A censura, aqui formulada, é assim dirigida a todos os que detêm poder decisório e, que por acção ou omisão, atiraram connosco para o tristíssimo lugar em que nos arrastamos.  

Desde sempre, a oferta existe para responder à procura: ninguém produz e coloca à venda se, antes, não tem uma expectativa razoável de dar com quem apeteça os bens que são exibidos no mercado. E a verdade é que toda esta gente, mergulhada na credulidade dos efeitos económicos, que umas teses em voga, sem ponta de consistência, lhe martelam os ouvidos com  uma cantoria, cheia de som, mas que depressa perdeu o tom, essa gente, não o esqueçamos, tem capacidade eleitoral – goza assustadoramente do direito de voto!

Acha-se, pois, investida de uma parcela de soberania. Mais uma vez, revelação firmíssima de que a legalidade nem sempre atinge o cume do que é legítimo. A soberania consiste no poder de impor aquilo que foi querido em consciência. Assim é, num plano ideal, porque a crueza da realidade oferece espectáculo bem distinto. Na verdade, os arautos da multidão que formam, no tempo que corre, o ádito sagrado onde se esconde o centro de todas as decisões, esses supostos porta-vozes do querer público vêm, de novo, mostrar um vício que é crónico na massa de que brotam; esse vício tem um nome – irresponsabilidade! Ora se é certo que consciência nem sempre anda acompanhada de equidade, o que se torna impossível é o exercício de um governo recto onde falta o rigor dialéctico.  

Ao longo de um tormentoso penar, em que já pesam os grilhões da servidão para aqueles que se deixam lançar num cativeiro sem fim, a multidão vai descobrindo que, no caminhar de quem manda, frequentes vezes se esquece a missão de prosseguir na efectivação do bem comum. E nota que esses, abusando de um distorcido argumento de salus populi, pervertem-no por completo e riscarão da lista da cidadania o nome de qualquer infeliz que ouse dizer – Eu tenho outro remédio para os males que agitais!

Para trás, como claramente se vê, ficaram as fronteiras da economia. Nada falta acrescentar-lhes. Passando, então, aos domínios da política, de duas categorias são os factos que merecem ser observados:

Comecemos pelos que se reconduzem ao drama à volta do qual gira o que aqui é exposto. E, aí, concedo que, talvez por predisposição temperamental e grandemente por formação adquirida à custa de prolongada ascese intelectual no tempo, mais do que amontoar elementos separados, gosto de os ordenar. É a única via à qual, desde longa data, me acomodei para penetrar no conhecimento da realidade que continua a cercar-me. E este método é sinal inilidível de que sigo vivo.

Ao escolher deste modo, no plano político passa a estar ao meu dispor a faculdade invejável de traçar, com precisão, a distância que vai da pólis, socialmente equilibrada, para a horda que se agita nas indecisões do rumo a seguir, porque nem capaz  é de o definir.

Há uma constante que se mantém viva no meio daqueles que engrossam as fileiras destes bandos, no que diz respeito ao momento que o Mundo passa: não desistem de abrir a cartilha da pandemia e, aí, vá de bolçar sobre outros os artigos de uma crença desesperada. Provas do que sustentam, na sequência dos sermões que trazem de encomenda, nem uma, olvidando um axioma basilar para quem argui – affirmanti non neganti incumbit probatio!

Como pouco acima foi referido, ai de quem se atreva a contraditá-los: caem-lhe em cima e não descansam enquanto o  não tiverem bem moído! À falta de primor intelectual, refugiam-se nos mais comuns chavões e, no mínimo, julgam o temerário, que os afrontou, como sendo alguém sofrendo de uma capitis deminutio, só porque teve a audácia de cometer a mais tenebrosa de todas as heresias – negar a existência de um vírus quando não basta simplesmente duvidar dela. Sentiram-se afrontados com tanta impiedade; e nada como fulminar o miserável infiel com os estafados decretos de uns amos, aos quais rendem um culto quase ou mesmo idolátrico. Temos, diante dos olhos, o quadro da Democracia no seu mais luzido esplendor!

É altura, pois, de continuar  no outro campo de factos sem ligação directa à economia. E este ganha maior valor no problema que aqui se aprecia, porque a realidade mostra não ser certo que a praga resulte de um agente biológico, e que o efeito deletério da apregoada pandemia se projecte apenas no rasteiro patamar da riqueza material, porque aquilo que insofismavelmente se espalhou é um pavor, quase um pânico universal que é psicológico e cuja matriz é de natureza moral.

Por conta dos muitos que persistem em manter-se cegos ao fundamento do mal, que nos aflige, é que o micróbio-espantalho ou lá o que ele seja, teima em não ir embora. A continuarmos assim, não venham, pois, queixar-se do risco de naufrágio quando todos nos viermos a afundar no mar revolto em que navegamos.

E porquê esta convicção? É a história do pensamento humano que a transporta até junto de nós. A Terra gira e, com ela, os séculos também rodam; porém, no meio deste movimento, o homem é o que menos muda. Nos defeitos e também nas suas virtudes!

Platão; Tomás Moro; e Campanella são fontes obrigatórias se buscamos resposta para esta angustiante questão. Não há mais testemunhos? – Muito provavelmente haverá. Eu é que não os conheço. Por isso, obedeço à máxima: ubi nescit, ibi taceat!

São obras de indicutível interesse. Mas não trazem propriamente a solução do problema.

Mais tarde, os socialistas românticos vieram atar-lhe umas pontas. Mas o alcance das suas lucubrações não foi além do que esses utópicos alcançaram noutros campos: duraram o tempo dos caprichos que ditaram moda!

Era de prever. Deles zombavam os próceres de um socialismo que se proclamava científico. Este é bastante mais sério: constitui ameaça que paira sobre nós, e não se arredará enquanto os homens não se capacitarem que nada nem ninguém pode contrariar a ordem natural das coisas, ou seja, que nos defrontamos com a impossibilidade de violar a unidade transcendente do Ser. E quem diz unidade não esquece naturalmente o resto que responde aos nomes de verdade, bondade e beleza.

Capitalismo ou socialismo! Esta infernal disjuntiva subsistirá enquanto os homens – uns por ignorância e outros repletos de malícia – teimarem no erro que insisto em chamar pecado ontológico. Desvio tremendo, que se estende a muitos campos do nosso peregrinar na Terra, assim determinando o pensamento e o agir consequente daqueles que trazem a desgraça a si próprios e aos seus semelhantes.

Mostram-se incapazes de ligar, o que só nas suas mentes anda separado. Se tivessem a suficiente humildade e correspondente coragem moral, depressa confessariam a verdade subjacente a estes dois sistemas, e que mostra o laço que une ambos.

Infelizmente, não sucede como seria desejável. Logo se verifica que a satânica disjuntiva, que aqui se combate, é fruto das insídias do Maligno. Assim foi que se cavou mais um divórcio naquilo que o direito natural ditou que fosse uno. Com efeito, será sempre vão o propósito de rasgar um sulco entre causa material e causa formal.  É luta inglória!

O mais que podem conseguir é abrir um antagonismo nas sociedades humanas. Desgraçadamente, muitos são já os que apareceram. Só uma profunda reforma de mentalidades e hábitos será capaz de fazer reverter este curso amaldiçoado à luz do que é o ideal de uma sã Justiça, que o mesmo é dizer, daquilo que Deus ordena!

Em páginas, cujo texto inicial permitia crer que o objecto do mesmo não fugiria à praga de um estranho vírus, se venha acabar numas linhas com apreciações de pura economia, pode ser que surpreenda. Mas não é motivo para tanto.

Quem se debruçar sobre o teor do que escrevi, sem grande esforço notará que duas são as ordens de razões para assim terminar:

A primeira tem a ver com um estilo de argumentação ad hominem. É bem visível que nesta pugna, o ataque se dirigiu à acção governativa no combate à pandemia. E, nesse reduto, ouviram-se vozes carpindo os efeitos económicos, mas bem limitados à devastação provocada nos sectores da vida económica de Portugal. Embora curta, impunha-se resposta ao concreto discurso dessa gente tão alarmada com o que vêem.

Depois, tornou-se altura de passar a uma análise mais geral e abstracta da economia, sempre dentro do meu jeito de abordar estes assuntos: levo-a a cabo de uma forma que, se for correcta agora, também o será no futuro. E para tal não é preciso escrever muito. Faz falta meditar, longamente e com aturado cuidado, isto sim; basta depois ser preciso, claro e conciso no que se deixa escrito. Procuro seguir este caminho: se o consigo ou falho, a outros caberá dizê-lo.

Dada esta explicação, resta acrescentar ainda que a ordem de exposição, por mim observada, para lá da razão sistemática acabada de apresentar, talvez não fosse diferente.

Na substância, a crise da propalada pandemia reflecte o desastre nacional que vivemos, mas revela bem que não é um vírus – fictício ou por mais autêntico que seja – o veneno letal que percorre o corpo de  Portugal. Portugal carrega um demorado sofrimento, cuja origem nada tem a ver com a absurda pandemia – esta apenas o veio agravar. O seu mal é de raiz política, a que agora juntaram um problema de saúde que culpam da má situação económica.

Por isso, não tem de admirar que eu obedecesse à sequência, que aqui fica. Foi a forma de correr o palco, onde se desenrola o trágico drama que todos conhecemos. De facto, o inimigo principal que aflige Portugal é o sistema político que o oprime, este tumor maligno que o mina há quase 50 anos.  Esta é a verdadeira catástrofe que enfrentamos. A pandemia – a existir realmente e com as proporções que afirmam – é apenas um acidente. Um escolho de percurso que exigiria outro timoneiro, mas está longe de ser a causa da desgraça em que caímos!

 

Joaquim Maria Cymbron

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

RIP

 



De novo, este blogue veste luto.
Por notícia chegada de Espanha, S.A.R. Dom Sixto Enrique de Borbón, comunica o falecimento de sua irmã Cecília de Borbón Parma e pede orações pelo seu eterno descanso.
Mais uma vez, este blogue pelo facto de existir como defensor das Legitimidades, não pode deixar de se juntar ao pesar daquele Príncipe que, em Espanha, levanta a bandeira da Tradição!
Que Deus guarde e conforte Sua Alteza Real!

P.N.; A.M.;G.P.!

sábado, 19 de junho de 2021

VENTURA OU DESVENTURA?

O texto, que segue, em razão de quanto escrevo, é dos mais curtos de entre todos os que, até à data, publiquei. O assunto requeria que se escrevesse mais. Mas a pequenez da nossa política não permite encher folhas. É o que há!


Pobre povo português! É depositário de inegáveis virtudes, mas também carrega defeitos, que nada o enobrecem: só lhe empecem o passo livre em direcção ao triunfo, de que é capaz, se for bem governado. Enfim, assim como acontece a todo o ser humano individualmente considerado, também sucede quando o quadro é gregário: há bom e há mau, cabendo à razão a escolha entre a decisão salvadora ou o precipício!

Não conheço perfil psicológico mais ajustado ao carácter do povo a que pertenço e que não renego, do que aquele que foi traçado em certeiras palavras de Guerra Junqueiro. Enchem umas poucas de páginas do final do seu livro Pátria e levam por título Balanço Patriótico. A prosa do autor dispensa encómios; a linguagem é percuciente, moldando-se bem à sua maneira de ser; mas a nota que deixa não é pessimista.

Viviam-se os últimos anos de uma monarquia suspeita: o desnorte era total! Nem a pessoa do monarca reinante escapou à virulência do discurso. Mas insisto: esse ataque, quase um assalto à praça detestada, foi um ataque ao que todos sofriam e que apenas alguns, bem poucos por sinal, viam claramente que era uma investida justa e desenvolvida com apoio numa aguda e penetrante análise. A pena prodigiosa do poeta de Os Simples, servida por um talento fabuloso, fez o resto. Bom seria que fosse lido o texto, a que aludo. Encaixa a primor no tempo que vivemos.

Entretanto, há uma força política que desponta no turvo panorama político nacional e que vem acirrar a velhíssima dicotomia esquerda – direita. A rotina colocou essa divisão numa linha, que não é senão um percurso de desordem, onde o homem, que integra a pólis, num desejo cego de conflituosidade, marca teimosamente um antagonismo a separar os dois referidos pontos. A verdade nua e crua é que se trata de uma luta entre dois contendores animados de uma fúria recíproca, mas no fundo insensata, porque aquilo que os opõe é mero pormenor de execução numa tarefa que nada tem de elevado e que praticamente se dirige ao mesmo fim. Distinguem-se porque, à esquerda, vê-se uma classe economicamente dominante ocupando o espaço da força que governa, enquanto que, à direita, essa interpenetração não se verifica.  Daí a maior vulnerabilidade dos regimes conhecidos por serem de direita, em relação aos que formam à esquerda. De resto, uns e outros situam-se fora do que impõe a ordem tradicional.

A hoste, que vem  ocupando casas no tabuleiro do xadrez político português, marcha nitidamente a par da clássica direita. O mestre que move as suas peças, com uma astúcia e uma determinação rara no nosso meio, decidiu estreitar laços com uma força que traz o selo do poderio sionista. Depois disto, nada tem a recear no campo dos êxitos imediatos. Abre-se-lhe, pois, uma estrada limpa de obstáculos muito incómodos. Ganhou, acima de qualquer dúvida, um trunfo de inestimável valor, se quiser prosseguir na sua carreira de político; porém, matou inilidivelmente a esperança de não poucos que nele viam o homem de Estado, capaz de tomar nas mãos o leme da desgraçada barca portuguesa que voga, sem rumo, neste mar de ondas alterosas que todos nós conhecemos. Vislumbravam nele uma aurora de redenção, bastante levianamente, é certo, mas na qual, de todos os modos, acreditavam. Na realidade, a minha intuição, provada há longo tempo, diz que não é ele o governante providencial. Aliado a isto, aparecem pormenores que definem a sua verdadeira natureza como homem e, consequentemente, o seu recorte político.

Além da aproximação ao Likud, e do arrimo encontrado em terras gaulesas e transalpinas, ei-lo que já imitou o tique de saudar com a mão sobre o coração: os conventículos maçónicos seguramente apreciarão o gesto! Portanto, é inegável que o chefe deste partido mostra, em poucos rasgos, conquanto de forma bem nítida, o seu pendor de homem de direita, de uma direita que é burguesa dos pés à cabeça. O passado confirma-o! E se é verdade que importa mais o presente que o passado, não haverá erro em sustentar que um presente na linha do passado é penhor de um futuro de continuidade. Neste actor político, o tempo presente não desmente aquele que já passou. Portanto, quanto ao futuro, é compreensível a inquietação de quem está atento ao trajecto desenhado por este homem público.

Todavia, nada disto, por um capricho que mais parece ironia, o põe a coberto do que sobre ele insinuam.  E assim é que a menoridade política do povo não desiste de lhe colar o labéu de nazi: há muita gente que abunda nestas teses. Entre nós, são aos montes os que pisam estas veredas. A tacanhez de vistas tem a dimensão das epidemias próximas de uma quase imbecilidade, mais ou menos extensa. Mesmo assim, persiste-se na mesma falta. Não resta dúvida de que a faculdade de pensar anda muito afastada de qualquer multidão: a massa humana não raciocina; como os brutos, só tem aptidão para um reagir condicionado.

Depois do que se expõe, cabe perguntar: é com um centurião desta ordem que se pretende restaurar os valores pátrios; será com lanças, algumas delas enferrujadas e, sobretudo, mal guiadas, que se vai riscar um futuro ridente? Uma resposta afirmativa apenas pode vir de quem perdeu, por completo, o sentido do equilíbrio ou quer tripudiar com o exacto significado das palavras.

Tudo isto, que é obscuro, permite uma observação, e essa é cristalina:

A extrema-direita, no meio de muitos desvios ao que é recto, tem ao menos o mérito de, por regra, não se perder nas tortuosas veredas que esta turbamulta calcorreia. O que há de sensato neste comportamento é de tanta magnitude que, numa altura decisiva da sua história, ao esquecer o que de mais profundo se podia ler na sua autêntica essência, pagou muito caro o passo que deu. Basta recordar o momento em que Hitler confia em Von Papen – «No Olimpo, Maquiavel sorria...».1

A repulsa por esta assimilação da direita (uma direita a que o vulgo chama extrema-direita), ao que não passa de um projecto de força política enfeitada com títulos que não lhe pertencem, uma tamanha repulsa, frise-se de novo, assenta numa realidade que emana da clara percepção da distância que marca a diferença entre a praxis da extrema-direita e o ideário tradicionalista. Por outro lado e quanto à direita burguesa, nem necessário se torna estabelecer qualquer distinção, porque é uma corrente que sufoca debaixo de alguns dos vícios, que partilha com a extrema-direita, não sendo capaz de exibir para amostra uma única das suas virtudes, uma só que seja.

Assim se vê que a construção política, defendida pela doutrina contrarrevolucionária e de que se fazem eco as páginas do Movimento Legitimista Português, não se pode firmar nos caboucos abertos de sistemas que buscam no sufrágio universal a nota de legitimação do poder que alcançam. Este repúdio não tem que ver com fúteis e pueris caprichos: ele flui, isso sim, de reflexões continuadas no decurso de aturados estudos, que se vêm estendendo ao longo de inumeráveis anos.

E, depois de todo este esforço, não é difícil denunciar como crime de difamação, senão mesmo de feia calúnia, o facto praticado a título de dolo necessário na campanha que se urdiu para equiparar a direita burguesa à extrema-direita. Essa afinidade não existe. O denominador comum que as une, se é que o erro pode ser elemento de ligação, está em que ambas são heterodoxas.  Deixemos, pois, que briguem à vontade. E ocupemo-nos do combate que nos diz respeito.

Essa missão impõe que não se poupem juízos de censura a tudo que pareça desvio à tradição política de Portugal. E, assim, porque nem direita nem extrema-direita encaixam no passado histórico da nossa Pátria, devemos pôr de lado uma e outra, indiferentes aos diversos matizes que apresentam: a tela é sempre a mesma; só as cores variam! Se a direita clássica se perde no enganador preconceito da divisão dos poderes e se atola no lodaçal do mais solto capitalismo, a extrema-direita não conseguiu, até à data, levantar um sistema com o poder suficiente para travar os destemperos daquela e preencher idoneamente as suas lastimosas lacunas.

De forma sucinta, dir-se-á: se a direita histórica vai, paulatinamente, cavando a sua própria destruição, a caminho de um colectivismo, que revela na vertente moral o lado mais terrífico, a extrema-direita teve o insofismável mérito de sucumbir em combate. Ninguém há que possa roubar-lhe este título de honra e glória!

Com efeito, nas suas experiências, a extrema-direita deixou um rasto de derrotas atrás dela. Temos por certo que concitou o ódio de forças tenebrosas. Mas não é lá porque se ganhou ou perdeu que se mede o grau de bondade de qualquer empresa humana. No entanto, o desfecho negativo de uma pugna autoriza frequentemente a que se extraiam conclusões sobre o mérito e a real valia de vencedor e vencido. Convém, pois, lembrar quem foi o inimigo e, embora não surpreenda, choca ver que é precisamente com essas colunas de um expansionismo acentuado que a emergente direita portuguesa vai firmar uma aliança!

Pode, quem quiser, abrir a boca de espanto. Isso apenas demonstrará, a sua deficiente preparação nesta matéria. Não que, com isto, haja o propósito de classificar essa gente como desprovida de carácter; há isso sim, repita-se, uma falta de formação política que apavora.

A fechar: o Movimento Legitimista Português professa a sua esperança no ressurgir de Portugal. Contudo, para isso, faz-se mister o regresso à matriz nacional!


Joaquim Maria Cymbron

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  1. Rolão Preto – A Traição Burguesa, cap. V.

JMC

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

HONRA AO HERÓI

 



Mais uma vez este blogue veste luto.Com efeito,foi Deus servido chamar a Si mais um  indómito combatente do Ultramar, filho legítimo de uma Guiné que não morre na saudade de quem por  lá passou.

 

Alguém lhe chamou o último cruzado do Império. Não me parece exagero. E, por mal dos nossos pecados, é bem capaz de ser merecida a homenagem contida naquelas palavras. Não propriamente porque esteja desfeito o Império, nem porque morreu o seu último cruzado, mas porque andam ocultas as virtudes da gente que o ergueu. Ora um império toca o fim, quando no seu povo se desiste de viver o sentido de uma vocação histórica.

Com efeito, a história pátria foi uma sucessão de cruzados imperiais – quando a morte ceifava um, logo outro surgia ocupando o lugar que passava a estar vago. Essa cadeia quebrou!

Na realidade, que temos, hoje, esfumadas as glórias de um império de generosa dádiva ao próximo e carregado de um sacrifício perseverante? – Por desventura nossa, como deixei dito e só não vê quem não quer, já não brilha esse império digno de ser vivido. Apagado esse fulgor, debaixo de um céu pejado de nuvens formando um quadro que é prenúncio do mais desesperado futuro, coube-nos o triste fado de uma soberania miserável trazida nas asas mortais da mediocridade.

A mediocridade é a árvore da desolação. Dos ramos, que estende, só pendem frutos peçonhentos. Na escala de valores, a mediocridade leva nota que a situa no patamar mais nefasto: é impotente para agir com um mínimo de bem aceitável; e só não é demasiado presumida para se confessar um depósito de nulidades, porque ainda tem noção de que a nulidade não existe. Este é muito possivelmente o seu único mérito. Em suma: não chega a subir, por notória incapacidade; e mostra escrúpulos em descer, por falta de humildade. Padece, pois, de um vício de identidade que a torna obnóxia. Salta à vista que este vício não tolera correcção!

Marcelino da Mata foi mais um mártir às mãos dos medíocres. Acho que isso conduz apenas a um resultado: distingue-o do comum das gentes, com especial relevo para os seus perseguidores. Sobre um peito constelado de veneras, continuam a vomitar ódio! Do ódio, dizia o grande Camilo que esse sentimento, no coração dos fracos, «é inextinguível; é a única força, a energia tenebrosa, que lhes deu a natureza.»  

Numa festa campestre de há muitos anos, sucedeu que Marcelino da Mata se encontrava ali presente. O evento foi muito concorrido. Em determinado momento, o bravo militar foi procurado por outro convidado. Era o pai de um dos carrascos que o torturaram ignobilmente após o 11 de Março, o qual fez questão de saudar o nosso Herói. Eu estava por perto e ouvi Marcelino da Mata, que o acolhera com a cortês simplicidade que era seu timbre, dizer àquele pai que havia muito já perdoara o mal que sofrera.

Perdoar é divino. E é no perdão que o homem mais se aproxima do Criador. Também nesta virtude é grande, verdadeiramente desmesurada a distância que corre entre Marcelino da Mata e os seus detractores.   

Não se abrem as portas do Panteão Nacional para receber os seus restos mortais? Por mim, direi que não vejo nisso qualquer tragédia. E acrescento que se fora o representante legal do Herói, certo e sabido que o seu corpo ali não entraria sem que, antes, de lá saíssem uns quantos. Alguma vez se pode conceber que o último cruzado do Império – na luminosa imagem que transpus de fonte alheia – descanse ao lado de quem foi encarnação do modelo invertido de uma vida impoluta, ao serviço de uma Pátria que esses traíram?

E, afinal, isso que monta? – As portas, que não se lhe cerraram, são as do Céu. Este há-de ser o estado de espírito da consciência católica do povo de Portugal e de todo o homem de boa vontade, fundada essa esperança na convicção profunda de que Deus, na Sua infinita misericórdia, paga generosamente àqueles que tantas provas de intenso amor deram à Pátria terrestre!

 P.N.; A.M.; G.P.!

Joaquim Maria Cymbron

domingo, 7 de fevereiro de 2021

QUE ESPERAIS, SOLDADOS DE PORTUGAL?

 Soldados de Portugal! A pergunta é claramente feita a todos vós.

Com efeito, de que estais à espera?

Venho falar-vos em tom frontal e que nada tem de macio, como é próprio do meu carácter, temperado nas lutas do Ultramar. Um jeito que me acompanha desde o berço e que creio nunca haver desmentido ao longo de uma vida que já soma 75 anos. Tom este que vos é devido, porque assim o exige a vossa estatura, uma estatura firmada na dignidade de quem empunha armas. E, principalmente, sem nunca esquecer aquele dia radioso, dia entre muitos abençoado por Deus, no qual cada militar teve a subida honra de beijar o estandarte nacional, e proferir juramento solene de defesa da Pátria enquanto no peito lhe restasse um sopro de vida.

Sei que o juramento de qualquer de vós saiu puro e límpido, como o foi o de cada um de nós, que vos precedemos e ficámos marcados pelo timbre de honra próprio de quem ostentou ou ostenta, até à morte, o sublime título de Soldado de Portugal. E por isso é que senti a obrigação indeclinável de vos endereçar as palavras, que seguem, com a confiança ajustada àqueles que, sem discriminação de patentes ou de postos, passámos por casernas ou cobertas de navios.

Armada! Exército! Força Aérea! Em todos estes ramos, estais vós, Soldados de Portugal, e nenhum há de quem não me considere camarada de armas. Estou persuadido que será recíproco o sentimento – o tempo nem sempre afasta; também pode unir!

É certo que corre, entre nós, uma larga diferença de geração. Acabo de dar a entendê-lo. É a única? – Hesito em afirmá-lo, porque não me repugna conceder que vos avantajais em virtudes militares. Já por aqui, é Portugal quem ganha!

Ficai cientes de uma coisa. Do que é meu propósito escrever, nada lereis que se desvie do que respeita ao objectivo de alcançar o bem comum para a nossa Pátria. Por isso, vos confessarei:

Nunca tive em grande conceito a política que vigora em Portugal. Para ser mais autêntico: sempre a olhei com horror. Porém, no grau de desalinho, a que chegámos, atingi o ponto de desprezar, como nunca, a forma; o sistema; e o regime instituído. Conheço apenas Portugueses. Esses perfilam-se em primeiro lugar e são eles que têm prioridade no serviço que é imperativo moral prestar-lhes. O mais – partidos; Constituição; sonoros princípios vertidos em Declarações  salpicadas de um colorido mais ou menos forte – de uma ponta à outra, tudo isso são abstracções!

Com a franqueza e lealdade, que procuro pôr em todo o meu proceder, sustento que já é tempo suficiente de esquecer felonias e deslealdades perpetradas no passado. Doravante, é altura de congraçar a família portuguesa e dedicar-lhe todos os nossos cuidados. Não sei de outro caminho digno de trilhar, se queremos, como é certo que ambicionamos, a salvação de Portugal e do seu martirizado povo!

A desgraça política pode abater-se de dois modos sobre uma comunidade humana: uma das vias é a tirania; a outra é a do vazio de poder, num grau em que periga a paz pública. Terrível ameaça pesa sobre a nossa Pátria. Só não a pressente quem está adormecido, e sonha com dourados horizontes que não virão. Qual destas duas calamidades é a que se ajusta à hora que Portugal vive?

No íntimo, não hesito em inclinar-me para o que segreda a minha consciência, já bastante familiarizada com estes fenómenos: abrem-se as portas de um estado caótico! Contudo, ao nosso futuro pouco importa o sentido em que vai resolver-se o que ainda é, por ora, uma incógnita – tirania ou anarquia. Na verdade, tanto faz, porque qualquer dos defechos será uma tragédia.

Assistimos a um temível aviso. À míngua de uma capacidade governativa lúcida e edificante, por conta de um perigo público – talvez imaginário – solta-se uma actividade legiferante, extensa e confusa, o que constitui o pior dos males para quem dirige os destinos de uma nação, porque é a revelação tácita de um estado próximo à impotência de actuar.

No caso presente, pouco interessa que a crise sentida seja ou não exclusiva da nossa querida Pátria. Somos Portugueses e estamos em Portugal. Isto é o suficiente para que os nossos cuidados se virem predominantemente em direcção ao caso nacional. E isto, separado de quanto vai por esse mundo além, requer só por si muito esforço para a sua resolução.

Nestes momentos, quando uma pandemia, real ou fantástica, toma conta da paz de espírito de um povo, indagar por onde é que o veneno entrou, um autêntico veneno, este sim, que vai destruindo fibra a fibra uma sociedade inteira, não parece curial buscar onde está a culpa do presente. Estará no 25 de Abril? Não é causa de tudo, porque ele próprio foi efeito de muitos desvios a uma recta governação! Terá sido o Gonçalvismo? Este delírio foi corolário de princípios que se espalharam, sem tom nem som, pelas trombetas tocadas na madrugada dos cravos, mas esse louco período já morreu, embora soltando, à sua passagem, fortes sequelas dos vícios que transportava! Cabe, enfim, a responsabilidade aos já numerosos governos constitucionais, que se sucedem num interminável processo de acusações preferentemente apontadas ao executivo acabado de derrubar? Não tem de espantar – insere-se dentro de um estilo viciado que faz da política um jogo de bola cá-toma lá, praxis que constitui a quinta-essência dos chamados Estados de Direito Democráticos, transformando-se naquilo para que a sua génese os impele – uma pugna insana de tricas partidárias!

A reacção à pandemia parece desmentir o invocado vazio de poder. Anda muito tolo iludido com este cortejo de anúncios emitidos por órgãos que são ou levianos ou criminosos.  À volta disto, descanse quem quiser – embora faça mal porque dali não sai mais do que fumaça e pó. Aguardemos que o fumo se evole e a poeira assente, e logo veremos em que acaba a tão festejada resposta.

A ser correcta a análise, dos que sustentam que há cada vez maior prepotência por parte de quem manda, teríamos que este quadro, dentro e fora de fronteiras, logo descobriria a estratégia de que tudo se prepara para a construção de um único governo à escala mundial. Objectivo que ainda tardará, mas que indubitavelmente já fulge, há muito, nos horizontes de esperança das correntes mais revolucionárias.

Estranha-se é que não se extraia o que será talvez a mais valiosa lição da apregoada pandemia. Realmente, enquanto ela dura e perdura, não consta que alguém, de bom senso, se tenha atrevido em buscar refúgio noutro ponto da Terra. E custará a crer que tal venha a suceder, porque a alegada situação de catástrofe é de risco em todos os quadrantes. Do mesmo modo, será a situação política sob um só governo para todo o género humano: qualquer homem insatisfeito com a sua sorte no lugar em que vive, nada ganhará mudando de sítio. Ainda que o autorizem, continua a sujeitar-se a idêntico regime, se não for mesmo uma cópia fiel daquele ao qual procura escapar.

Ora isto também nos toca. São duas, pois, as ameaças que pairam sobre  Portugal: o projecto do governo mundial, que tal como se desenha não deixará de ser tirânico; e o já aludido risco de se cair no vazio de poder. Quanto a mim, Soldados de Portugal, o perigo mais próximo vem do último lado. Com efeito, antes de fugir ao amontoado mais disforme, deve Portugal salvar da sua mutilada soberania nacional, aquilo que ainda for possível restaurar. Depois, cuidaremos do resto.

Entretanto, não me vereis debruçado sobre cada um dos filhos espúrios de um embuste que é brutal e quase sacrílego, porque nesta impostura ferve uma união desnaturada que escarnece de preceitos sagrados. O futuro se encarregará de revelar a autêntica face da pandemia, e mais uma vez lembrar às pessoas uma lição sábia e tão velha quanto o homem: a voz dos poderes públicos nem sempre é eco da Verdade! E por Verdade entenda-se que não é só verdade injuntiva a que deriva de uma lei humana, como também e, maxime, a que nos vem de leis acima do ius quod in ciuitate positum est. Esta traição, ao que é verdadeiro, verifica-se em especial quando os poderes públicos são aqueles que temos pela frente. Estes poderes, adulterados na sua génese e na causa final, destapam agora as suas chagas e já não conseguem esconder que se esboroam pouco a pouco. Tiveram o desplante de gritar aos quatro ventos que tinham alcançado êxito no combate à COVID-19 – foi o estertor do moribundo, e trouxe à memória os últimos dias do Estado Novo. É um brilharete montado às três pancadas num pingarelho palco de feira, que abana por todos os cantos, anunciando inequivocamente final de acto que não é de comédia, porque trágicos vêm sendo os resultados.

Já se viu que foi sol de pouca dura, se é que, de facto, rompeu as nuvens. Nem a vitória lhes interessava. Depressa lançaram mãos à cabeça, e deram o dito por não dito. Com verdade, desta vez? – Vá-se lá saber! Se de uma ponta à outra, tudo isto não é contrafacção, será porque 2 e 2 já não somam 4.

Não viverá muito aquele que não for testemunha de como esta manobra preordenada se reconduz a uma estratégia de desastre moral e ruína material.

Os mercados de capitais – barómetros crónicos da saúde que transpiram as economias de todo o planeta – depressa hão-de reflectir a chegada de uma travessia do deserto bem custosa de cobrir. Por outro lado, assiste-se a uma impressionante vulgarização de caracteres. Sintoma este inquietante porque, além de ser de muito mais difícil cura, é talvez o principal motivo da decadência que atirou com muitos para o lânguido torpor de uma modorra. Desta modorra não se despertará sem gravosas penas no trajecto a percorrer, ao que se terá de juntar uma profunda e sincera conversão individual, sendo esta a exigência de mais dificultosa observância. Contudo, todos sabemos que Portugal já emergiu de outros períodos de agudíssima prostração moral, e fê-lo em beleza. É esta certeza que deve manter intacta a nossa fé num porvir de renovados triunfos!

Com este discorrer, voltamos à iminência de um vazio de poder, ou seja, de um estado anárquico que é a mais pavorosa das tiranias em que pode tombar a sociedade. Este risco permite que se actue sem o escrúpulo de levar em apreço a eventual bondade do poder que vai desaparecendo, a qual bastaria para lhe conferir a requerida legitimidade e retirar licitude a qualquer movimento insurreccional. Ao dizer que o risco, ora vivido, consente que se avance, fiquei aquém do que era minha obrigação deixar exarado. Esta a razão pela qual corrijo a falta declarando que, perante a proximidade de um poder que se está sumindo, há não só o direito como recai ainda, sobre todos quantos prezamos Portugal, o dever de agir sem tardança. E selo as minhas palavras apoiado no que dispõe a lei humana e, acima dela, a lei natural!

Que modelo se propõe?

Uma vez que se dá um vazio de poder, em são rigor de Justiça, torna-se obrigatório devolver ao povo a titularidade da soberania como causa material que dela é. Mais até do que um seco imperativo de Justiça, o processo flui ex rerum natura. E assim congregado nos seus organismos naturais, o sujeito político que responderá a esta pergunta será, portanto, o povo português. Família; autarquias geográficas; corporações da inteligência, das artes e do trabalho; enfim, todos aqueles micro-universos, onde é incontroverso que se sente palpitar a vida nacional, serão chamados a pronunciar-se sobre o destino a seguir. Por estas vias, se ouvirá a voz de tudo que é vivo e está abertamente definido, sem nada de simulado ou de diferentes artifícios metidos pelo meio!

Como remate deste apelo, acrescentarei: atravessamos tempos de indefinição; no ar, respira-se um clima de angústia.

Quem é culpado deste panorama desolador? – A bem dizer, quase todos: uns, tentando recuperar algum equilíbrio que, porventura houvessem tido, lá vão imperando com uma já minguada força; os restantes porque, cada vez mais submissos e vergonhosamente dóceis ao mando acabado de denunciar, consentem no desaforo presente.

Fala-se em mais uma medida restritiva de direitos básicos e das mais sãs liberdades que nenhum poder político tem autoridade para condicionar: ou o que se ordena é bom, ou não há maioria que possua legitimidade para o impor. Porém, para quem não perdeu ainda o sentido das proporções, o rochedo, que ameaça tombar sobre as nossas cabeças, mais parece um seixo que a penha temida.

De uma forma mais comezinha, o alarde feito confunde-se com as vascas da agonia de quem teima em exibir uma força já inexistente. No entanto, é ponto líquido que atemoriza o comum das gentes num grau que não anda longe de uma psicose colectiva. Tanto basta para que estejamos atentos e de prevenção.

Na soberania, convém distinguir entre a prepotência do tirano e o governo que gera uma situação  bem próxima da anomia generalizada. Pegue-se-lhe por onde se queira: o certo é que, num e noutro caso, a revolta ganha justificação.

A hora, que passa, exige: recolhimento; reflexão; e, por fim, actuar em conformidade.

A vossa acção, Soldados de Portugal, preencherá a parte de menos extensa duração na regeneração da Pátria. Mas constitui, certamente, a mais nobre, a mais elevada e, direi mesmo, a mais decisiva contribuição da obra necessária, na linha do que já é apanágio na vossa tradição de servir sacrificadamente, um longo sofrer onde se misturam incontáveis glórias. Só convosco, nem tudo fica feito; mas, sem vós, nada se faz. Como quase sempre aconteceu e se espera agora que volte a suceder uma vez mais, tendes pois a missão de imprimir forma e dar  rosto visível ao corpo social. Do mais, se encarregará a dinâmica da vida com os olhos postos na meta ideal. Essa meta é o cofre precioso que está guardado no seio impoluto da Pátria estremecida.

A mim, camaradas de armas – que assim vos chamei no início do brado de socorro aqui formulado e desse modo não deixei de vos tratar ao longo do que proclamei, porque é como o sinto – a mim, insisto, só me resta ser admitido a partilhar convosco a apetecida honra de engrossar a hoste salvadora da grei portuguesa!

VIVA PORTUGAL!

 Joaquim Maria Cymbron