O texto, que segue, em razão de quanto escrevo, é dos mais curtos de entre todos os que, até à data, publiquei. O assunto requeria que se escrevesse mais. Mas a pequenez da nossa política não permite encher folhas. É o que há!
Pobre povo português! É depositário de inegáveis virtudes, mas também carrega defeitos, que nada o enobrecem: só lhe empecem o passo livre em direcção ao triunfo, de que é capaz, se for bem governado. Enfim, assim como acontece a todo o ser humano individualmente considerado, também sucede quando o quadro é gregário: há bom e há mau, cabendo à razão a escolha entre a decisão salvadora ou o precipício!
Não conheço perfil psicológico mais
ajustado ao carácter do povo a que pertenço e que não renego, do que aquele que
foi traçado em certeiras palavras de Guerra Junqueiro. Enchem umas poucas de
páginas do final do seu livro Pátria e
levam por título Balanço Patriótico. A
prosa do autor dispensa encómios; a linguagem é percuciente, moldando-se bem à
sua maneira de ser; mas a nota que deixa não é pessimista.
Viviam-se os últimos anos de uma
monarquia suspeita: o desnorte era total! Nem a pessoa do monarca reinante
escapou à virulência do discurso. Mas insisto: esse ataque, quase um assalto à
praça detestada, foi um ataque ao que todos sofriam e que apenas alguns, bem
poucos por sinal, viam claramente que era uma investida justa e desenvolvida
com apoio numa aguda e penetrante análise. A pena prodigiosa do poeta de Os Simples,
servida por um talento fabuloso, fez
o resto. Bom seria que fosse lido o
texto, a que aludo. Encaixa a primor no tempo que vivemos.
Entretanto, há uma força política
que desponta no turvo panorama político nacional e que vem acirrar a velhíssima
dicotomia esquerda – direita. A
rotina colocou essa divisão numa linha, que não é senão um percurso de desordem,
onde o homem, que integra a pólis,
num desejo cego de conflituosidade, marca teimosamente um antagonismo a separar
os dois referidos pontos. A verdade nua e crua é que se trata de uma luta entre
dois contendores animados de uma fúria recíproca, mas no fundo insensata,
porque aquilo que os opõe é mero pormenor de execução numa tarefa que nada tem
de elevado e que praticamente se dirige ao mesmo fim. Distinguem-se porque, à esquerda, vê-se uma classe economicamente dominante ocupando o espaço da
força que governa, enquanto que, à direita,
essa interpenetração não se verifica. Daí
a maior vulnerabilidade dos regimes conhecidos por serem de direita, em relação aos que formam à
esquerda. De resto, uns e outros situam-se fora do que impõe a ordem
tradicional.
A hoste, que vem ocupando casas no tabuleiro do xadrez político português, marcha nitidamente a par da clássica direita. O mestre que move as suas peças, com uma astúcia e uma determinação rara no nosso meio, decidiu estreitar laços com uma força que traz o selo do poderio sionista. Depois disto, nada tem a recear no campo dos êxitos imediatos. Abre-se-lhe, pois, uma estrada limpa de obstáculos muito incómodos. Ganhou, acima de qualquer dúvida, um trunfo de inestimável valor, se quiser prosseguir na sua carreira de político; porém, matou inilidivelmente a esperança de não poucos que nele viam o homem de Estado, capaz de tomar nas mãos o leme da desgraçada barca portuguesa que voga, sem rumo, neste mar de ondas alterosas que todos nós conhecemos. Vislumbravam nele uma aurora de redenção, bastante levianamente, é certo, mas na qual, de todos os modos, acreditavam. Na realidade, a minha intuição, provada há longo tempo, diz que não é ele o governante providencial. Aliado a isto, aparecem pormenores que definem a sua verdadeira natureza como homem e, consequentemente, o seu recorte político.
Além da aproximação ao Likud, e do arrimo encontrado em terras gaulesas e transalpinas, ei-lo que já imitou o tique de saudar com a mão sobre o coração: os conventículos maçónicos seguramente apreciarão o gesto! Portanto, é inegável que o chefe deste partido mostra, em poucos rasgos, conquanto de forma bem nítida, o seu pendor de homem de direita, de uma direita que é burguesa dos pés à cabeça. O passado confirma-o! E se é verdade que importa mais o presente que o passado, não haverá erro em sustentar que um presente na linha do passado é penhor de um futuro de continuidade. Neste actor político, o tempo presente não desmente aquele que já passou. Portanto, quanto ao futuro, é compreensível a inquietação de quem está atento ao trajecto desenhado por este homem público.
Todavia, nada disto, por um
capricho que mais parece ironia, o põe a coberto do que sobre ele insinuam. E assim é que a menoridade política do povo
não desiste de lhe colar o labéu de nazi: há muita gente que abunda nestas
teses. Entre nós, são aos montes os que pisam estas veredas. A tacanhez de
vistas tem a dimensão das epidemias próximas de uma quase imbecilidade, mais ou
menos extensa. Mesmo assim, persiste-se na mesma falta. Não resta dúvida de que
a faculdade de pensar anda muito afastada de qualquer multidão: a massa humana
não raciocina; como os brutos, só tem aptidão para um reagir condicionado.
Depois do que se expõe, cabe
perguntar: é com um centurião desta ordem que se pretende restaurar os valores
pátrios; será com lanças, algumas delas enferrujadas e, sobretudo, mal guiadas,
que se vai riscar um futuro ridente? Uma resposta afirmativa apenas pode vir de
quem perdeu, por completo, o sentido do equilíbrio ou quer tripudiar com o exacto
significado das palavras.
Tudo isto, que é obscuro, permite
uma observação, e essa é cristalina:
A extrema-direita, no meio de
muitos desvios ao que é recto, tem ao menos o mérito de, por regra, não se perder
nas tortuosas veredas que esta turbamulta calcorreia. O que há de sensato neste
comportamento é de tanta magnitude que, numa altura decisiva da sua história,
ao esquecer o que de mais profundo se podia ler na sua autêntica essência,
pagou muito caro o passo que deu. Basta recordar o momento em que Hitler confia
em Von Papen – «No Olimpo, Maquiavel sorria...».1
A repulsa por esta assimilação da
direita (uma direita a que o vulgo chama extrema-direita), ao que não passa de
um projecto de força política enfeitada com títulos que não lhe pertencem, uma
tamanha repulsa, frise-se de novo, assenta numa realidade que emana da clara
percepção da distância que marca a diferença entre a praxis da extrema-direita e o ideário tradicionalista. Por outro
lado e quanto à direita burguesa, nem necessário se torna estabelecer qualquer
distinção, porque é uma corrente que sufoca debaixo de alguns dos vícios, que
partilha com a extrema-direita, não sendo capaz de exibir para amostra uma
única das suas virtudes, uma só que seja.
Assim se vê que a construção
política, defendida pela doutrina contrarrevolucionária e de que se fazem eco as
páginas do Movimento Legitimista
Português, não se pode firmar nos caboucos abertos de sistemas que buscam
no sufrágio universal a nota de legitimação do poder que alcançam. Este repúdio
não tem que ver com fúteis e pueris caprichos: ele flui, isso sim, de reflexões
continuadas no decurso de aturados estudos, que se vêm estendendo ao longo de
inumeráveis anos.
E, depois de todo este esforço,
não é difícil denunciar como crime de difamação, senão mesmo de feia calúnia, o
facto praticado a título de dolo necessário na campanha que se urdiu para equiparar
a direita burguesa à extrema-direita. Essa afinidade não existe. O denominador
comum que as une, se é que o erro pode ser elemento de ligação, está em que
ambas são heterodoxas. Deixemos, pois,
que briguem à vontade. E ocupemo-nos do combate que nos diz respeito.
Essa missão impõe que não se poupem
juízos de censura a tudo que pareça desvio à tradição política de Portugal. E,
assim, porque nem direita nem extrema-direita encaixam no passado histórico da
nossa Pátria, devemos pôr de lado uma e outra, indiferentes aos diversos matizes
que apresentam: a tela é sempre a mesma; só as cores variam! Se a direita
clássica se perde no enganador preconceito da divisão dos poderes e se atola no
lodaçal do mais solto capitalismo, a extrema-direita não conseguiu, até à data,
levantar um sistema com o poder suficiente para travar os destemperos daquela e
preencher idoneamente as suas lastimosas lacunas.
De forma sucinta, dir-se-á: se a
direita histórica vai, paulatinamente, cavando a sua própria destruição, a caminho
de um colectivismo, que revela na vertente moral o lado mais terrífico, a
extrema-direita teve o insofismável mérito de sucumbir em combate. Ninguém há
que possa roubar-lhe este título de honra e glória!
Com efeito, nas suas
experiências, a extrema-direita deixou um rasto de derrotas atrás dela. Temos
por certo que concitou o ódio de forças tenebrosas. Mas não é lá porque se
ganhou ou perdeu que se mede o grau de bondade de qualquer empresa humana. No
entanto, o desfecho negativo de uma pugna autoriza frequentemente a que se
extraiam conclusões sobre o mérito e a real valia de vencedor e vencido. Convém,
pois, lembrar quem foi o inimigo e, embora não surpreenda, choca ver que é
precisamente com essas colunas de um expansionismo acentuado que a emergente
direita portuguesa vai firmar uma aliança!
Pode, quem quiser, abrir a boca
de espanto. Isso apenas demonstrará, a sua deficiente preparação nesta matéria.
Não que, com isto, haja o propósito de classificar essa gente como desprovida de
carácter; há isso sim, repita-se, uma falta de formação política que apavora.
A fechar: o Movimento Legitimista Português professa a sua esperança no
ressurgir de Portugal. Contudo, para isso, faz-se mister o regresso à matriz
nacional!
Joaquim Maria Cymbron
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- Rolão Preto – A Traição Burguesa, cap. V.
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