À posição, aqui tomada, de não chegar a
neutralização de um inimigo – autêntica ameaça universal – a fim de que haja Paz2
sobre a Terra, cabe justificá-la para o que, primeiro, se faz mister esclarecer
os fundamentos do que foi dito.
Não chega, porquê? – A razão é muito simples!
Mas como tudo que é simples, por vezes torna-se bem difícil de entender. O que
se apresenta como simples, é quase sempre bastante exigente, e é isso que
assusta as pessoas que preferem seguir adiante, passando ao lado de uma coisa
incómoda para a qual nem sequer desejam olhar.
Encaremos o problema de frente, porque de nada
nos servirá se tentamos rodeá-lo. Quando muito isso leva apenas a um adiar da
solução, sem desfecho à vista e de funestas consequências para quem cair nesse
erro.
O pesado ar, que se respira, não é
produto de um organismo que, por aí, gira. De facto, a crise não flui de um
agente físico porque, antes que este aparecesse em cena, já era crise moral e,
nessa qualidade, é causa deste efeito apavorante. Aceitemos a realidade
insofismável de que o vírus terrífico não é biológico: antes disso ele é um
veneno chocado no peito humano, muito mais devastador que qualquer dano físico,
porque é o espírito que deve ditar a lei à matéria e não o inverso. A nossa
carne rebelou-se contra o espírito que acompanha cada um de nós: a
concupiscência desordenada pretendeu dominar a razão e conseguiu-o. Hoje, o
homem arrasta só o corpo, porque a alma, essa, deixou-a esquecida e sofredora,
nem ele sabe onde. Tudo isto se paga por um alto preço.
Sumiu-se o salutar costume de falar em pecado
social. Nem admira! Pois se até se ignora – ou se nega mesmo – o que seja o
pecado pessoal, como pode alguém entender o pecado social? Entretanto, ele
existe: é a soma dos pecados de cada criatura humana, porque nenhum de nós está
limpo de faltas. Dez justos teriam bastado para salvar Sodoma, mas nem esses
foram encontrados.3
O mal que nos atormenta é, pois, o açoite de
Deus à criatura que, inchada na sua desmedida soberba, mais uma vez julga ser
possível ombrear com o Criador ou até varrer o Seu bendito nome da face da
Terra. Agora, é um agente microscópico, que tanto bastou para pôr em sentido o
Mundo; de outras vezes, tem sido por diferentes meios. Contudo, todos eles são
meras causas instrumentais ao sabor do que Deus determina que aconteça.
Num labor de séculos, acumularam-se teses
deletérias que vieram produzir resultados nefastos – as sociedades actuais
estão enfermas, porque fraquejaram e se deixaram dessacralizar. É
indiscutivelmente o caso de algumas; outras tocaram o limite da apostasia! E
para estas últimas é que se interpõe uma questão pertinente: quando não existe
fé, como reagem na sua incredulidade sobrenatural? – O certo é que nem assim se
libertam da obrigação de parar e reflectir.
Na verdade, o Mundo carece de reflectir. A
meditação é uma das maiores urgências que o homem moderno enfrenta, e a que tem
de responder, sob pena de atraiçoar a sua condição de ser racional: sendo desde
sempre uma tarefa nobre, é hoje incontroverso que o pensamento entrou em
agonia! Em todo o caso, ele ainda não desapareceu. Portanto, à conta disso,
fixe-se a atenção nesta pergunta – será assim tão difícil conceder que, se não
podem ou não querem avançar pela via de uma fé que não professam, já não lhes é
vedado conhecer a Natureza, realidade incontestada pelos mais comuns
sentidos que o homem possui?
Nenhuma repugnância experimentará aquele que
crê, se tivesse de percorrer este caminho. Quando nele tropeçasse,
restar-lhe-ia o socorro imediato da fé. Insista-se, pois, que esse há-de estar
aqui livre de toda a ansiedade, porque só é de esperar que olhará a Natureza
como obra de Deus, na qual o Criador imprimiu as notas essenciais que a
definem. Logo, quem a viola, atenta contra a Divina Majestade.
Registe-se uma particularidade: ao passo que Deus perdoa sempre, se o penitente
dá mostras de arrependimento, a Natureza já é inexorável. De modo que só
Deus a pode suspender. Bom seria, para os que perderam ou nunca tiveram o dom
da fé, que se debruçassem e meditassem sobre isto!
Enquanto se espera, lancemos uma olhadela
sobre este ponto:
De entre os instintos do ser humano, como mais
visíveis, sobressaem a fome, a sede e o apetite sexual: comer e beber têm por
função a sobrevivência de cada um de nós; o sexo é destinado à propagação da
espécie. Todos eles dão prazer a quem os vive; no entanto, é o terceiro aquele
que, pelo maior deleite que proporciona, ocupa lugar de mais destacado relevo.
É também o de maior e mais delicada
complexidade. E, por mais inesperado que alguns possam ajuizar, está repleto de
notas da mais rica espiritualidade. Apenas se requer que seja vivido segundo os
preceitos de Deus ou da lei natural, entendida esta como a «participação da lei
eterna na criatura racional»,4 que tudo vale o mesmo visto que uma e
outra não são mais que manifestações da soberana vontade do Criador.
Esta é lição do Doutor Angélico, que
permanece, e dela não se diga que invalida o entendimento observado por
não-crentes. Ninguém lhes impõe que aceitem este comando como emanação da lei
eterna, a qual manifestamente não professam. Ao que não conseguirão fugir será
ao facto de se encontrar esta disposição gravada a fogo na natureza das coisas.
Ora a rerum natura é já um código por eles aceito, sob pena de em nada
acreditarem se defenderem o contrário.
A vida sexual, de entre os dons mais
corpóreos, é o supremo bem que Deus nos outorgou. Talvez por isso mesmo é o
mais maltratado de todos eles: o ser humano está propenso, quase
invariavelmente, em estragar aquilo a que deita mão: parece dominado pelo gosto
mórbido de enodoar preferentemente o que vê e avalia como mais perfeito. É um comportamento onde está patente uma
inspiração satânica!
Com efeito, o homem mancha o sexo quando, pelo
seu comportamento, dá impressão de ter esquecido que nessa actividade não é o
único actor em cena: vive-a em comunhão de corpos, segundo o que as leis da Natureza
dispõem. Esta sublime realidade coloca-o num palco, submetido à estrita
obrigação interior de retribuir a dádiva de Deus. É seu dever proporcionar à
mulher o que esta dele espera, numa entrega total e sem reservas, pois a
generosidade desprendida não conhece o interesse próprio – neste acto,
aquilo que deriva de uma vaidade masculina sempre pronta a exibir-se. Casos em
que, por força, não deixaria de ser positivo, o finis operis, mas onde,
por certo, o finis operantis perderia grande parte ou mesmo a totalidade
do que poderia ter informado valiosamente o mérito do seu desempenho.
Sabe perfeitamente o Demónio que o sexo é o meio
de transmissão da vida e o papel relevante que esse meio é chamado a jogar na
saúde moral e física da relação homem-mulher. E, porque é impotente para
derrubar Deus, no ódio em que se revolve procura feri-lo no domínio da Criação,
maxime na sua obra-prima que é o homem. Para alcançar esse fim, talvez o
principal processo, adrede escolhido, terá sido a diminuição progressiva da
capacidade sexual, acompanhada de uma indesmentida redução na sua frequência. O
desfecho salta aos olhos: é um abrir portas à extinção da espécie! As
correntes, que especulam à volta de esperançosas e ridentes teorias da
hominização, até à data nada de categórico adiantaram que possa opor-se ao
risco que isso traz em si.5
Reconheçamos que são cruciantes os danos
provocados pelo Maligno. E multiplicam-se os sinais de um agravamento
cada vez mais extenso e profundo. Razão esta pela qual temos de pôr de parte a
ideia que corre, apontando como aviso de uma escatologia próxima a praga que
nos amedronta. Isso é quase uma puerilidade, comparado ao que se passará a expor.
Uma prova de masculinidade, possivelmente a
mais significativa, é a do homem capaz de coito que transporte a mulher ao
empíreo. Dar é gratificante porque nos aproxima da Divindade, fonte de
tudo que temos, pelo que, no sexo como no decurso das demais relações humanas,
melhor é dar que receber. O amor-próprio masculino há-de ceder espaço ao
impulso da generosidade, como acima já se referiu. A generosidade é uma forma
que a caridade assume; e da caridade nada a acrescentar ao que o Apóstolo
deixou dito.6
Homem incapaz de provocar esse clímax à que é
sua companheira no acto sexual, constitui-se em forte dívida para com ela. Tal
mulher é tratada como um saco, onde o seu parceiro despeja o sémen, quando não
se esgota no onanismo. Isto só tem um nome: reles exercício de masturbação!
Um pródigo por tal forma desastrado, se nunca
contemplou uma mulher irradiando esplendor idêntico ao que Bernini nos trouxe,
quando fixou no mármore o êxtase de S.ta Teresa de Ávila, é alguém
que nem sabe o que teve nos braços! Essa mulher, assim como está
prestes a desfalecer, logo a seguir recobra alento para se agitar, soltando
gritos de prazer que parecem arrancar do mais recôndito do seu ser.7
Regressemos ao mau amante. Este homem, se
consegue a penetração, não é fisicamente impotente. Portanto, onde está o
défice? – Não pode encontrar-se a não ser numa brutal carga de egoísmo.
Provavelmente, discorre nestes termos: «eu já estou servido; ela, se quiser
subir mais alto, que se satisfaça sozinha.» Todavia, seria curioso apurar quantas serão as jovens decepcionadas, que merecem um maior cuidado por parte
dos seus chevaliers- servants. E é também nesta incerteza que a tragédia
se projecta.
Entre outras possíveis causas, este
ambiente ajudará a explicar que os índices de homossexualidade – da
masculina e da feminina – subam em flecha. Quando não se encontra prazer no
sexo convencional, não pode surpreender que se procure saciar a lascívia em
práticas antinaturais. Para os que a elas recorrem, esses desvios oferecem-lhes
um gozo, que é justamente reprovado segundo os cânones mais ortodoxos, mas que,
por outro lado, lhes faculta a vantagem de andar desacompanhado dos encargos de
uma paternidade ou maternidade que não querem suportar. Não devem, pois,
estranhar se forem qualificados como membros de uma geração maioritariamente
virada para o suicídio. Sentem desencanto pela vida: a própria; a que poderiam
transmitir; e a dos outros!
Ao falar da defeituosíssima actividade sexual,
que se vai descobrindo à medida que o tempo avança, não se curou em determinar
se era um relacionamento moralmente lícito ou ilícito. E assim se fez não
porque se tenha caído no relativismo moral que é fundamento dos desregramentos
actuais, mas sim por pretender apurar o grau de qualidade desses connubia sob
um ponto de vista meramente fisiológico. Não será a nota de licitude que levará
uma obra de fancaria a transformar-se em cópula de sucesso. Pelo que a
ferida onde há que pôr o dedo é o seu desprezo por tudo ou quase tudo que não
traga o selo de uma catequese vizinha do niilismo. Descansando, nestas balizas,
de que nem talvez os próprios se inteiram conscientemente, estão persuadidos
que cumprem e acabou-se: o mais não lhes interessa!
A geração, que oscila entre os vinte e os
trinta anos, a geração que serve de título a estas linhas, mostra fortes
indícios de ser uma geração condenada. Os que a compõem, salvo felizes
excepções, pensam que tudo sabem; não escutam conselhos; e acham que de nada
precisam. Evidentemente, aos que se comportam por este modo é difícil, senão
impossível, ensinar-lhes o quer que seja; orientá-los; ou dar-lhes alguma
coisa. É, por consequência, esforço absolutamente vão: hão-de morrer nas
teias da soberba em que cresceram. No meio de toda esta empáfia são escravos,
bem possivelmente com menos noção da própria dignidade, que lhes cabe como
pessoas humanas, do que aquela que ainda sobrava a alguns entre os que os
precederam nesta deplorável condição. Assinale-se isto, porque é marca de como e
quanto se deixaram reduzir à mesquinhez do automatismo. E bom número deles, se
lhes é chamada a atenção para a triste situação a que desceram, nem disso fazem
caso. Mais do que pelos sistemas imperantes que os engolem, dão impressão de
revolver-se com gosto na desumanização para que resvalam sem cessar. Romperam
caminho que supunham juncado de rosas: só colheram espinhos; o corpo saiu
coberto de chagas; a alma a sangrar; e, cheios de uma suficiência que é sempre
timbre desonroso, têm a desfaçatez de se proclamar realizados.
Que feitos deixam a perpetuar-lhes a memória?
Até agora, que completaram de bom, de belo e de grandioso? Muitos já se
abeiraram de idade condizente a revelar-se com maior ou menor distinção.
E mesmo dos mais novos seria de esperar que se fossem afirmando como ridentes
promessas. Infelizmente, não sucede o que era desejável. Sente-se a desolação
quase completa: vivem sobre si próprios, cada vez mais isolados mesmo entre os
da sua criação. Deles, parece que o futuro apenas dirá, em breve nota:
passaram! E eis tudo!8
Num teimoso e imenso despudor, esta gente
confessa ser contrária à guerra porque lhe atribuem a perda de muitas vidas.
Realmente, na guerra verifica-se a triste ocorrência da morte. Melhor, porém,
fariam algumas dessas pessoas se olhassem as mortes a que dão causa, grande
parte das vezes; e noutras, em que não vão além de ser mera ocasião, mas com
uma negligência altamente censurável.
Ninguém, de coração, deseja a guerra. Mas a
certos coros de um sentimentalismo assaz duvidoso, pouco crédito se lhes pode
conceder, porque esses lugares estão prenhes de vozes de quem carrega a culpa
de crimes contra a vida, praticados quer por acção, quer por omissão – aborto;
eutanásia; sexo feito lixo não matam menos que a guerra! Com grande vantagem a
favor da guerra, se a apreciação obedecer a regras morais.
Embora não se afastem as mais profundas razões
éticas, estilo que o Movimento Legitimista Português, desde a sua
origem, se vem esforçando por defender, neste passo apela-se somente a um princípio
de coerência mental. Assim, parece forçoso declarar a inconciliabilidade que há
entre condenar a guerra porque nela se morre e, simultaneamente, tomar posição
a favor do aborto. Traga-se, ao de cimo, o que nenhum desses pelotiqueiros de
um verbo enganoso ignora, enquanto maliciosamente quer convencer dos seus bons
propósitos quem lhe dá ouvidos: quem mata, na guerra, está vulnerável; no
aborto, o feto é vítima indefesa e os que o destroem não se expõem à morte!
Deixando ao lado palavras amenas, este confronto leva a concluir do seguinte
modo: a guerra é um flagelo para que nos empurra o pecado; o aborto é, in
abstracto, crime de uma repugnante cobardia, que apenas a doutrina da
não-exigibilidade poderá desculpar, sem que porém o justifique, havendo ainda o
recurso ao estado de inimputabilidade de quem vive este drama (haja em conta o
padecer da Mãe, a qual poderá, nalguns casos, colher o favor deste juízo
indulgente). No entanto, aqui já se invade o domínio da casuística, o que diz
respeito a uma análise subjectiva que exorbita do intuito do presente texto,
embora cumpra lembrar que isto mesmo, ainda que no mais directo exame do
problema, nunca invalidará a censura dirigida ao facto que é o aborto, na sua
dimensão objectiva.
A terminar, ainda umas breves palavras mais a
respeito da eutanásia, esse crime de homicídio chamado daquele jeito por mor de um
cinismo que se pretende eufémico. Vem de molde realçar o parentesco que a
língua grega revela entre eufemismo e eutanásia. Esse laço apenas expressa que
há tanto de bom e de verdadeiro no que oferece a morte por eutanásia, como o
eufemismo adoça a rudeza de um termo ou de uma ideia. De alto a baixo, de uma
ponta à outra, temos a incoerência a dar cartas!
Não é o paciente que alegadamente pede e
permite que lhe apressem a morte porque não suporta mais sofrer? É pelo menos o
que se conta! Mas não é acaso o paciente, nessa hora de tremendas dores e
angústias, alguém que tem alteradas as suas faculdades, o que necessariamente
se reflecte na sua lucidez e num consentimento que, de resto, nem sempre
sabemos em que medida foi prestado?
Seja quem for aquele que tão atrozmente pena,
o seu estado mental e anímico nesses terríveis momentos não se distingue do que
move quem celebra um negócio jurídico com a vontade viciada por alguma das
causas que, em direito, determinam a anulabilidade. Não repugna até aceitar
que, em tal quadro, a imputabilidade do paciente pela eventual ilicitude do
facto, se encontra amplamente diminuída senão mesmo dirimida por completo.
Logo, grande, imensa, descomunal é a responsabilidade de quem lhe dá morte,
porque outra acusação não cabe aqui. E esta culpa é exclusiva desses que tão
feia acção praticam!
Por este andar anárquico, não faltará quem
tente legitimar o trato através do qual uma pessoa se obrigue a servir outrem
como escravo, sendo para ela suficiente declarar que assim procede porque desse
modo o quer. Quando se erige a vontade em padrão da moral, tudo acaba
permitido. Esta é, desgraçadamente, a filosofia dominante que, há largo tempo,
dá o tom aos povos.
Aqui se deixa, pois, o sumaríssimo relato de
alguns males que ameaçam o género humano, muito possivelmente os determinantes
principais da decadência vivida. No corpo social, não são certamente agentes
menos inócuos que o vírus desta pandemia. Serão talvez mais lentos a produzir
os seus efeitos, mas que também são letais, lá isso só restarão dúvidas a quem
deseje caminhar de olhos vendados para o abismo. Instalou-se uma cultura de
morte! O vírus passeia-se no seu habitat e nele vai estadeando o seu
poder mortífero.
Mas Ser é melhor que não-Ser.
Por isso, o Bem triunfará sobre o Mal, sem contar de que espécie
for este. Já não é só a fé que o assegura; o mero entendimento também nos induz
a esperar igual remate!
Semana Santa
Coimbra, 2020
Joaquim Maria Cymbron