Conforme prometido, foi publicada
a mensagem que fechou o recente Sínodo dos Bispos. Optei por seguir a versão
italiana (1), língua em que foi redigido o documento.
Enquanto aquele Sínodo decorreu,
ergueram-se vozes insanas anunciando catástrofes apocalípticas. Partiram de
gente que arde em altruismo, mas
alguma dela possuída de uma histeria desmedida. Diz essa gente que é sua intenção salvar o povo de Deus, desviando-o do abismo que se abre debaixo dos pés de todos nós. Os clamores de fim do Mundo
voltaram mais uma vez a ouvir-se, e agora correram porque, afirmava-se de
ciência certa, os divorciados novamente casados e as parelhas homossexuais iam
ter acesso à mesa da Sagrada Comunhão. Do primeiro grupo, lê-se na mensagem que
os Padres Sinodais tinham riflettuto sull’accompagnamento pastorale e sull’accesso ai sacramenti
dei divorziati risposati; a respeito das uniões homossexuais, nem palavra!
Foi a
doutrina católica atacada pelo diploma saído deste Sínodo? Que dogmas, que
sentenças, que cânones sofreram com ele? Eu não descubro um só ponto que sofresse danos.
Na formidável muralha da Igreja, nem um lanço foi atingido. Nada estremeceu,
nenhuma brecha abriu, tudo permaneceu firme e inabalável! Podiam
ter sido mais explícitos, na redacção dada a lume? Talvez. Mas, saltar daqui até
ir parar a um infindável rol de calamidades, a distância é grande. Para ser
mais exacto, direi até que se torna num autêntico desaforo. Por mim, limito-me
a dizer que a Igreja não se esqueceu que a prudência é a mais importante de
todas as virtudes morais e que, sem ela, nenhuma das outras vale. Mestra desse
mesmo ensinamento, como podia alguém esperar que não se lhe sujeitasse?
É coisa
que não deixa de espantar-me, ver como as vozes enganadoras, que criam este
clima de inquietude e pânico, irrompem de pessoas que primam especialmente por uma escassíssima cultura
e fraca formação intelectual. De uma ponta à outra, há anemia e despudor
naquilo que bolçam da boca para fora. A menos que mintam consciente e
deliberadamente, o que acaba por agravar o comportamento tido.
Pululam
em diversas capelinhas, outras tantas seitas tal qual sucede na Maçonaria, onde
cada uma é de diferente obediência. E, como esta, o único denominador comum que
têm é funcionar como açoite de várias pontas, com o qual flagelam a Igreja de
Roma.
Lefebvrianos;
epígonos de Plínio Corrêa de Oliveira; e outras castas de integristas constituem
legiões que não ficam atrás dos maiores heresiarcas dos tempos pretéritos, os
quais também se apresentavam como núncios da ortodoxia e asseveravam vir para restaurar
a Igreja prostituída pelos pecados da hierarquia, pecados esses que a desviaram
da sua primitiva pureza. Isto é o que nos contavam e contam. Porém, não trazem
mais do que sobressaltos e desorientação. No seio destes hierofantes e
adoptando estratégias análogas, até se destaca, imagine-se, um arcebispo
ortodoxo que garante trabalhar pelo bem da Igreja de Roma, sem contudo nos confessar
os motivos que o impedem de voltar ao redil de onde fugiu qual ovelha
tresmalhada, pondo asssim cobro, pelo menos, à sua defecção. Esta limpidez de
processos, mutatis mutandis, já
serve, nem que seja um pouco, para aquilatar da honestidade deste exército,
movido por tão nobres propósitos de
salvação da Igreja.
Ministros
de fancaria de um fantástico Santo Ofício, privados de todo o imperium, que de iure nunca possuirão, e sem qualquer poder de facto, que também jamais alcançarão, entretêm-se numas lides
incruentas, mas nem por isso menos perniciosas.
Depõem
Papas como quem deita um trapo ao lixo --- não fazem a coisa por menos. Ignoram
ou calam que prima sedes a nemine
iudicatur (2), preceito que o direito canónico consagra e que se conjuga em
perfeita harmonia com o primado da jurisdição universal do Pontífice Romano,
primado que foi dogmaticamente definido pelo 1.º Concílio do Vaticano (3). A
generalidade, se não mesmo a universalidade deles, proclama-se monárquica no
temporal. Entretanto, esquecem que os Reis de Portugal, desde D. João V, usavam
o título de Majestades Fidelíssimas. E
Fidelíssimos porquê? Por uma
fidelidade inconcussa à Santa Sé. Ora sem Papa não há Igreja. Derribar o Papa,
é derribar a Igreja. É lançar por terra todo um edifício, um edifício colossal,
o Templo Sagrado. Qual vai ser, pois, o objecto da nossa fidelidade histórica,
enquanto Portugueses?
Não
obstante tudo isto, com os seus procedimentos, vão minando o terreno e
preparando as mentes para que estas aceitem a subversão da noção hierárquica,
como medida legítima para uma crise que ajudaram a crescer, se é que também não
a criaram de braço dado àqueles que zurzem farisaicamente. Querem, repito, que os
fiéis depositem docilmente, nas mãos do Concílio, força suficiente para sobrepor-se
ao Papa. E se um concílio estiver infiltrado pela Maçonaria ou, por qualquer
outra causa, não for do agrado deles? --- É de remédio fácil: estoira-se com
esse e ergue-se outro. Entrando por esta via, tudo poderia acontecer. Uma
consequência indefectível seria a de reabrir caminho a uma heresia sufocada em
Basileia. Em suma: os monárquicos, que existem no meio destes inquisidores de
pacotilha, negam à Igreja o que querem no século. Ou desejam ir mais longe, ao
ponto de instaurar um poder ao estilo dos Césares da antiga Bizâncio? Meta que,
dados os vícios que os roem, não é de excluir.
Aqui
temos os arautos de uma desgraça que, mais do que profetizá-la, vão
precipitando de gorra com os que eles apontam como sendo os principais agentes
de um próximo naufrágio da Igreja. Estes sinistros pregoeiros mostram-se
contumazes na obra de devastação. Não lhes chamarei Sacerdotes do Templo, porque
não são decerto ministros do Senhor. O nome, que se lhes ajusta, será o de Sacerdotes do Tempo. Sacerdotes e
Sacerdotisas. As Sacerdotisas, mais
do que eles, assumem uma particular fisionomia. Não é só pelos defeitos
intrínsecos do que sustentam, que o estudo destas figuras convida ao exame. A
contradição formal em que caem, com frequência acentuadamente maior do que os
seus cúmplices masculinos, também obriga que a nossa atenção se fixe sobre
elas.
Casualmente,
travei conhecimento com uma que constitui paradigma digno de nota, numa
dimensão que, infelizmente, não é positiva. No entanto, a ausência de qualidade
é o comum dentro desta classe.
Por
malícia ou crassa ignorância, como acima já eu disse, ela sempre está pronta a discorrer
sobre tudo como, de resto, fazem os demais que a acompanham neste desvairado
apostolado. A consciência ou inconsciência da impreparação sobre a matéria, que
trata, não a estorva. Decide-se, e aí vai ela. A lição de S. Paulo (4), a quem
tanto gosta de recorrer, quando lhe dá jeito, não a inibe: ou a ignora; ou
esquece-a pelo tempo e na extensão que lhe convier. Entre outros percursos
teológicos, onde foi que tentou penetrar esta Doutora da Igreja? No mistério da SS. ma Trindade! Nem mais, nem
menos. Foi, portanto, ao mistério fundamental da nossa fé. Fundamental e o mais
oculto. Além disso, um dos mistérios mais misteriosos da religião católica,
releve-se a aparente redundância. A ciência teológica chama-lhes mistérios
estritamente ditos, significando isto que superam o entendimento do homem e dos
anjos.
Mas a Sacerdotisa, de que me ocupo, não se
amedrontou. Lá se dirigiu, com a afoiteza do costume. Afoiteza que não ia
desacompanhada da sua leviandade habitual e bastante prosápia. Fê-lo, porém,
com manifesta infelicidade. A certa altura já falava de Pessoa Una, que depressa passou a Pessoa Trina. Eis aqui uma exposição do dogma trinitário, que me
colhe de surpresa pela sua novidade! Juro que nunca antes ouvi igual despropósito.
Que metamorfose é esta? É sabido que devaneios febricitantes não tardam a
conduzir ao reino dos mitos.
Em noite de tempo agreste e hora já muito adiantada, ainda concebo o quadro de uma só pessoa a subir a rua das Trinas, em Lisboa. É uma aproximação grosseira? --- Está longe da precisão desejada, mas para tamanho desconchavo não se arranja melhor. Nem merece a pena que nos estafemos a encontrar paralelo. A Sagrada Escritura, como nem de outro modo podia ser, guarda uma lição admirável para casos como este. Com efeito, nela se lê: «Não respondas ao louco segundo a sua loucura, para não seres semelhante a ele.» (5) Todavia, para que o orgulho do dementado não lhe pinte de formosas cores o desatino que verteu, acrescenta logo a seguir: «Responde ao louco segundo a sua loucura, para que ele não se julgue sábio.» (6)
Em noite de tempo agreste e hora já muito adiantada, ainda concebo o quadro de uma só pessoa a subir a rua das Trinas, em Lisboa. É uma aproximação grosseira? --- Está longe da precisão desejada, mas para tamanho desconchavo não se arranja melhor. Nem merece a pena que nos estafemos a encontrar paralelo. A Sagrada Escritura, como nem de outro modo podia ser, guarda uma lição admirável para casos como este. Com efeito, nela se lê: «Não respondas ao louco segundo a sua loucura, para não seres semelhante a ele.» (5) Todavia, para que o orgulho do dementado não lhe pinte de formosas cores o desatino que verteu, acrescenta logo a seguir: «Responde ao louco segundo a sua loucura, para que ele não se julgue sábio.» (6)
Entre a
mofina gente, onde comunga a criatura que me suscitou estas linhas, há quem
viva dominado pelo pavor da actual divisão que se desenha na Igreja. Desta vez,
não deliram: a divisão existe e também o perigo de que aumente. Mas não
acredito muito no temor que dizem sentir. De divisões, está cheio o passado da
Igreja: umas (felizmente raras) acabaram em cisma; as outras, não. E pela que
hoje os traz apreensivos, se ainda lhes sobra consciência e são capazes de remorso, bem podem bater no peito pelo que contribuíram e contribuem para ela.
Estultamente, colocam no Concílio
Vaticano II a origem dos presentes males da Igreja. Erro este que é muito mais
do que um erro primário, tanto como se se imputasse ao 25 de Abril as culpas da desordem e da ruína que se abateram sobre
Portugal. E porquê? Porque o 25 de Abril foi
a espoleta da crise que vivemos, mas as suas causas é atrás que se situam: a
relaxação de costumes arrancava a galope, com uma necessidade doentia de imitar
experiências do estrangeiro e subjugada pela ideia de um duvidoso progresso, ao
mesmo tempo que assistíamos à subversão política, por influência de correntes
obnóxias que sopravam de fora; em contrapartida, o Concílio posto diante de uma
insofismável dessacralização da vida quotidiana, fruto de um profundo
decaimento na fé, rasgou a via para reagir ao que já vinha afligindo a
Igreja. Portanto, mesmo que fosse um concílio nefasto, seria antes que teria de
buscar-se a génese da enfermidade que a atacava. Não admitir isto é a cegueira
incapaz de avistar o Sol, em dia claro. E se ocorre por acinte, não é cegueira
porque é crime!
Todos os heresiarcas foram
monstros de orgulho. Repetiram e repetem o grito de Lúcifer, o anjo rebelde: Non seruiam! Levantar o punho contra o
Papa, num gesto de revolta, é um acto de orgulho, sinónimo de soberba. E a
soberba é o princípio de todo o pecado.» (7)
Joaquim Maria Cymbron
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- www.press.vatican.va/content/salastampa/it/bollettino/pubblico/2014/10/18/0768/03043.html. Quem preferir outra língua, basta procurar no sítio oficial do Vaticano.
- CIC, can. 1404.
- Dz. 1831.
- 1 Tim. 2, 12.
- Prov. 26, 4.
- Ib., 26, 5.
- Ecli. 10, 15.
JMC