segunda-feira, 25 de abril de 2011

NO TRIBUNAL CORRECCIONAL DE LISBOA


Mais um 25 de Abril, mais um documento contra aquela data: proferi as palavras, que abaixo seguem, no final da audiência de julgamento, realizada no âmbito do primeiro processo que me foi instaurado por ter chamado traidor a Mário Soares. No decurso deste processo, então em fase de inquérito, juntei as declarações para que remeto.
Do segundo processo e da forma como ele terminou, já dei notícia neste blogue.
 

A palavra traidor, que proferi, está proferida e eu não lhe retiro uma única letra. Ninguém, pois, veja em mim qualquer sinal de retractação uma vez que tal propósito não existe.

Contudo, sempre desejo confirmar o que, em tantas ocasiões, foi repetido ao longo desta acção que o MP me move: ao acoimar de traidor o Senhor Presidente da República, foi minha intenção censurar o comportamento que S. Exa. teve naquilo que ficou conhecido como processo de descolonização, comportamento esse que, salvo melhor juízo, integra o crime previsto e punido no § único do art. 141.º do Código Penal de 1886, nas alíneas a) e b) do art. 334.º do Código Penal vigente e no art. 7.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho. (1).

Não se chama traidor a uma pessoa por mero exercício de linguagem ou no jeito de quem solta um desabafo: chama-se quando se pretende invectivar alguém pela prática de factos que preenchem a figura da traição. Foi com este alcance que eu disse que o Senhor Presidente da República é um traidor e, portanto, o Tribunal só pesará devidamente a injúria, de que sou autor, se a apreciar na exacta medida que acabo de indicar.

O crime de traição ocorre, quando o património espiritual e material de gerações sucessivas, ligadas pelo sangue e por uma comunhão de interesses e ideais, é gravemente atingido. E todo aquele que cause um dano profundo neste legado de esforço e sacrifício, que o tempo continuadamente vai depositando nas mãos de cada um de nós, não pode receber senão um nome: traidor!

Eu não ignoro que a filosofia política, que é hoje a dominante em Portugal, se mostra declaradamente contrária ao colonialismo. Esta concepção da vida e do mundo que, todavia, nenhum sopro novo traz à nossa mentalidade tal como ela, com altos e baixos, se foi modelando através da História, deve concitar o aplauso de todos.

Efectivamente, a pessoa humana, só pelo facto de o ser, tem uma dignidade muito própria e essa dignidade é intangível. Nesta ordem de raciocínio, se uma classe social ou económica se encontra oprimida ou é explorada, aquilo que há a fazer é acabar com tais abusos e nunca voltar a prender-lhe aos pés umas grilhetas para que as arraste em diferente servidão. De forma análoga, se, para os fautores do 25 de Abril, os nossos antigos territórios ultramarinos eram colónias, então, o dever deles seria o de pôr cobro a essa situação. Mas dar carta de alforria implicaria, antes de mais, auscultar os seus anseios porque, se o colonialismo é reprovável aos olhos da Constituição, neste diploma também se consagra o direito dos povos à autodeterminação (art. 7.º, n.º1 e n.º2) (2), princípio, aliás, já expresso no Programa do Movimento das Forças Armadas. E isto, que prometeram ao povo português, é precisamente aquilo que não se observou.

Os Portugueses têm, seguramente, o direito de se dividir quanto à melhor forma de servir a Pátria: o que não devem é fazê-lo para encontrar o meio mais eficaz de a destruir. Ora foi isto, desgraçadamente, o que sucedeu depois do 25 de Abril: não se me peça, por conseguinte, para calar o crime que foi quanto se praticou a partir daquela data e que veio a designar-se por descolonização. Foi crime e crime continua sendo à luz da dogmática jurídica instituída: um dos agentes dos factos, que constituem este crime, é notoriamente o Senhor Presidente da República.

Sem que eu contasse, parte da comunicação social perguntou-me se paira, no meu horizonte, o objectivo político de uma restauração monárquica. Não sei que houve para esta curiosidade. Tenho, porém, uma resposta: É certo que sou monárquico e até monárquico miguelista. Mas, agora, isso não está em causa. Aqui, independentemente do meu monarquismo, eu insurjo-me contra o atentado de que a Pátria foi vítima e de cujas feridas ainda sangra.

Não há a Pátria dos monárquicos contraposta à Pátria dos republicanos: há a Pátria dos Portugueses e, destes, se algum for tão miserável que a ofenda, a sua atitude torna-se pior que a mais acre hostilidade vinda do exterior. A não se entender assim, casos como este deixariam de ter uma magnitude nacional para se converterem em questões do mais estreito sectarismo político!

Neste ponto, aplica-se o que diz a terminologia escolástica: há aquilo que é mais ou menos opinável e aquilo que não sofre discussão. A Pátria está nesta última categoria --- a Pátria é uma só, a Pátria é a mesma para todos os seus filhos e são seus filhos os que dela se orgulham. Daí que a Pátria seja também exclusiva: traí-la é sempre um acto hediondo e o desnaturado que o fizer atrai sobre si o anátema dos que a querem íntegra e justa, aos olhos de Deus e dos homens.

Sem ódio, sem qualquer ponta de ódio, mas também sem descanso, sem um minuto sequer de descanso, em liberdade ou privado dela, guiado pelo meu espírito, que nada nem ninguém para lá de mim pode acorrentar, e confortado pela força do amor, que guardo a Portugal, eu hei-de continuar a combater a obra de destruição nacional pela qual o Senhor Presidente da República é um dos principais responsáveis.

Não busco vingança pessoal; apenas desejo, mediante a minha acanhada prestação, contribuir para que a Pátria reencontre a nobreza e galhardia de outrora. Deste modo, espero cumprir aquilo que, em consciência, penso ser uma obrigação indeclinável.

Se, depois de esgotadas todas as vias de recurso, os tribunais me vierem a condenar, suportarei calado a pena que me for imposta, porque mesmo o mais inglório dos Portugueses não pode nem deve pedir clemência a quem traiu a Pátria. E se sou eu esse português, além de não poder nem dever, também não quero fazê-lo!
  
Lisboa, 15 de Junho de 1994

Joaquim Maria Cymbron
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  1. As disposições legais, para que se remete, são obviamente as que vigoravam à época da minha defesa.
  2. Id.

JMC

2 comentários:

Marcos Pinho de Escobar disse...

Caro Joaquim,

Passar pelos tribunais do regime abjecto que destruiu Portugal no seu corpo físico e moral, parece-me ser a mais alta condecoração.

Um duplo "Bravo!": pela atitude e pelo texto.

Um forte abraço.

Joaquim M.ª Cymbron disse...

Marcos, ando desesperadamente à procura de lhe agradecer as palavras que aqui deixa. Creio já lhe ter dito que não gosto de fazê-lo nesta mesma caixa, não vá dar a impressão de o texto ter merecido muitos comentários, quando afinal para o número também entra uma troca de cumprimentos.
Mas como não encontro meio de comunicar consigo de outro modo (penso que terá mudado de endereço electrónico), aqui fica o meu obrigado!