Surgiram dúvidas e li até um coro de protestos sobre a bondade do 10 de Junho, como o dia mais indicado para festa nacional.
Proclamou-se a excelência de pontos notáveis da nossa história. Não serei eu quem vá negar o mérito desses eventos. As várias opções, que foram avançadas, só demonstram a riqueza do nosso passado. E os seus autores procedem certamente de boa fé, ao mesmo tempo que os moverá um acendrado patriotismo.
Porém, na minha opinião, datas interditas a figurarem como marcos de referência com direito a comemorar a vida colectiva de qualquer nação, são só aquelas que dividem essa comunidade em blocos antagónicos.
Não há nação sem mácula. Todas têm as suas páginas negras. Quando alguém traça, com mão de mestre, os altos e baixos de um povo, desenha um quadro real. O mais, é arte de um expressionismo abstracto.
Tivemos nós esse pintor genial? --- Tivemos! Que importa que fosse trazido por mãos republicanas? Se um republicano emitir um juízo certo, não aplaudimos só porque saiu da boca de quem não é nosso correligionário político?
A verdade não é património de ninguém. Ela é, isso sim, um tesouro escondido que todos, sem excepção, devemos procurar, para gozar alguns reflexos da sua luz preciosa.
As estrofes rimadas de Camões não ocultam «que um fraco Rei faz fraca a forte gente» (1); recordam-nos que «(...) também dos Portugueses/Alguns traidores houve algumas vezes» (2); não poupam aqueles que «Por contentar o Rei (...)» se entretêm «(...) no ofício novo/A despir e roubar o pobre povo!» (3); e não calam que «(...) a pátria (...) está metida/No gosto da cobiça e na rudeza/Duma austera, apagada e vil tristeza» (4). Por outro lado, chama-se ao Rei «Senhor só de vassalos excelentes» (5), pedindo-se-lhe para agir de modo tal «que nunca os admirados/Alemães, Galos, Ítalos e Ingleses/Possam dizer que são para mandados,/Mais que para mandar, os Portugueses» (6).
Que mais se pode exigir? O poema, todo ele, é um tratado de catequese nacional. Parece-me, pois, que fixar esta data como dia de Portugal se justifica plenamente. E não será temerário acrescentar que até foi muito feliz esta decisão. O que me aflige, bastante mais do que o maior ou menor acerto da escolha, é se realmente estamos à altura de dar «(...) matéria a nunca ouvido canto» (7) como o épico esperava do Rei, mas que o fluir do tempo foi passando às gerações que se sucedem.
Se o conseguirmos, seremos dignos de tão nobre legado; mas se cairmos na negligência ou na passividade, tornamo-nos cúmplices na traição infame que enodoou a Pátria. Isto, e só isto, é o que me preocupa.
Fomos, entre os demais povos do mundo, o mesmo que S. Paulo com os gentios: fizemo-nos tudo, para todos, para ganhar alguns a todo o custo, no propósito de evangelizar (8).
Este destino constituiu o nosso rumo histórico! E esta é a cor da nossa Raça!
Joaquim Maria Cymbron
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- Lus., III 138, v.8.
- Ib. IV 33, vv.7-8.
- Ib. VII 85, vv.7-8.
- Ib. X 145, vv.7-8.
- Ib. X 146, v.8.
- Ib. X 152, vv.1-4.
- Ib. I 15, v.4.
- I Cor. 9, v.22-23.
JMC
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