Volvamos um pouco atrás:
Não são os Árabes tão semitas quanto o é o povo judaico? Se não o são, então
que origem têm? É porventura distinta a ascendência de Ismael e de Isaac?
Filhos ambos de Abraão, não entroncam um e outro no patriarca Sem?1
Os funâmbulos, que bailam na corda bamba da demagogia, não acham que sim nem
que não. Eles nada pensam: pregam sermão de encomenda!
Dir-se-á: ninguém acusa
para além de uma fatia bem determinada dos discípulos de Maomé, e o certo é que
os Árabes não esgotam o universo islâmico! Realmente, para esgotá-lo, faltaria
contar ainda uns largos milhões. Devemos, pois, concluir: apesar de, por via de
regra, serem maometanos os Árabes, isso não autoriza a que se pense: Árabe,
logo maometano! Não são, com efeito, sinónimos e, por isso mesmo, os conceitos
que traduzem não formam um conjunto indissociável. Esta assimilação é produto
de vozes enganadoras soltas ao vento, e que tentam transformar o significado de
cada um daqueles vocábulos de maneira que venham a fundir-se num todo
inexistente. Resultado que, não obstante ser inviável, é ao mesmo tempo certo
que, na sua forma tentada, é causa suficiente de estragos que cavam sulcos
profundos nas mentalidades mais vulgares!
E é assim que, por umas
bocas alarmadas se anuncia uma verdade cristalina: nem todo o Árabe é
maometano, e há um imenso número de maometanos que não são Árabes. É nisto que
importa assentar para conceder que, na sanha antijihadista de alguns, não houve um propósito de lesar o bom nome
dos Árabes. Será mesmo assim? --- Não é crível. Porque de contrário, teríamos
de concordar que, nas amaldiçoadas
hostes do Islão, não há nem um árabe para amostra. Está visto que não: os guerreiros do Profeta são árias, do mais estreme sangue daquela
raça! Recrutam-nos na Índia e no Irão, notoriamente
dois dos países árabes mais representativos no cenário político
deste mundo.
Conclusões neste ponto,
só uma e da qual não se consegue escapar: dêem-lhe as voltas que quiserem
porque o desfecho será apenas um --- quem ataca a mal designada Jihad, nos termos até agora publicamente
usados, fere a dignidade do povo árabe. Para que a coerência não deixe de ter
um significado moral e as palavras não percam o seu sentido, é forçoso
acrescentar que o inimigo das pretensas forças mujahidin não é menos antissemita do que aquele que se refere, com
palavras desairosas, ao povo judaico. Fiquemos pelo desaire nas palavras, que
tanto basta para magoar uma nação como é aquela. Os seus filhos são muito
delicados. Dão-se ares de ter reunido em si toda a sensibilidade do género
humano!2
Alguém que nos acuda!
Falam de extremismo estes arautos, que vão de moda, mas o equilíbrio deles,
onde está? Em que se mostra, afinal, a sanha islâmica? Quem, de modo tão
cruento, lhe vai dando corpo? Se os Árabes, a quem uns mercenários que
subvertem a desgraçada opinião pública vêm imputando a autoria do mal, se estes
povos, insista-se, não são a totalidade do mundo islâmico, onde mais se
encontram os bastardos que seguem o
Profeta? Que seguem, ou que dizem seguir, ressalve-se já, porque o Alcorão não
ensina a semear a táctica do terror. As hordas sanguinárias do ISIS são tão fiéis ao Islão como o Santo
Padre de Roma é hindu ou budista.
Só um cego de espírito é
incapaz de ver que o mundo está dessacralizado. No meio de um deserto
religioso, não pode espantar que, entre os raros que ainda possuem da vida um
sentido sobrenatural, despontem alguns exaltados. São esses, porventura, os
soldados de Alá?
Infundir terror é crime. Neste
campo, impõe-se determinar quem são os agentes dos factos que se têm por
criminosos. No caso que vimos abordando, estão bem identificados os autores
materiais. Mas se a perpetração do crime não se fica por um ou por vários
autores que agem, em conjunto, por sua livre iniciativa, e há alguém que dirige
o que outros fazem, então estamos em presença da coautoria moral. Isto não é
certamente de inferior gravidade. Pode mesmo gerar uma maior responsabilidade,
porque mais intensa costuma ser a culpa que acompanha a participaçãodo do autor
moral no crime que se julga. Importa pois investigar se, no presente flagelo
terrorista, há a mão de alguém mais do que aqueles que descem ao terreno.
Antes de qualquer
resposta, convinha que nos debruçássemos sobre a lição do passado. Alexandre
Herculano chamava à História «a profecia do futuro.»3 Que nos diz,
então, a mestra do tempo?
Citado Herculano, não
deve surpreender que o excurso histórico diga, muito de perto, respeito ao que
toca a Portugal. É universal a preocupação pela anunciada ameaça do Islão.
Portugal, todavia, ainda antes de fundada a sua nacionalidade e a par do que
hoje é Espanha, foi palco de uma experiência que não repugna aceitar como a
expressão fiel da expansão árabe por este mundo de Deus. É nesta convicção que
se evocará, no essencial, a memória do seu trânsito por terras da Península
Ibérica.
Os Árabes, quando
aqui chegaram, imprimiram fortemente o seu selo por um espaço de tempo que
durou mais de sete séculos. Passada a primeira vaga de assalto, que tudo
parecia tragar, o ímpeto afrouxou porque também foi fraca a resistência
oferecida por uma sociedade que mostrava todos os sinais de decadência. Não
foi, pois, um exército de saque e pilhagem aquele que se derramou cobrindo as
soalheiras terras da Península, a mesma que, hoje, Portugueses e Espanhóis
dividimos. Nem de longe o foi, ao menos, com aquela intensidade que é costume
num exército que vem para conquistar. De um ou de outro modo, é lei constante
na cronologia dos povos o emprego da força por parte de quem invade: se vence,
impera; derrotado, tem de retirar. Foi o que se viveu neste extremo ocidental
da Europa: primeiro, nas margens do Guadalete; mais tarde, junto aos muros de
Granada. E aquilo que veio a ser o poder mauro, por espaço de sete séculos, já
no desembarque e depois, encontrou abertas as portas da Península: os Judeus,
desgostosos com a mão pesada dos concílios hispânicos e principalmente com o
que eles denominaram a perseguição de
Sisebuto, «(…) em toda a Espanha fizeram causa comum com os invasores»,4
porque esperavam deles a tolerância que não achavam na sociedade
visigótica.
Essa tolerância
confirmou-se efectivamente, junto deles e também a favor dos cristãos, ao
contrário do que uma propaganda viciosa não se cansa de espalhar. Essa
flexibilidade, no campo religioso, era comum a outros pontos por onde os
Califas estenderam o seu império. Aqui, na Península, ficou bem conhecida a
classe dos moçárabes, formada pelos cristãos submetidos ao domínio árabe. De
resto, essa transigência religiosa era francamente vantajosa sob o ponto de
vista fiscal: os que se convertiam deixavam de pagar imposto. É sabido como, no
Egipto, a conversão dos cristãos coptas ao islamismo indispôs o poder
muçulmano. Portanto, muito convinha que ficassem agarrados às crenças
religiosas que professavam. Era esta a política praticada pelos Árabes, que
tinham por hábito distinguir entre os idólatras ou pagãos e os povos do Livro, categoria que incluía
judeus e cristãos. Com os primeiros --- kafir
--- o seu radicalismo era impiedoso: ou se convertiam à palavra de Maomé, ou
eram exterminados; para os demais, tolerância!
Sob o tecto da então
Mesquita de Córdova, a exemplo do que acontecia em muitos outros lugares de
culto, a parte virada ao Oriente era destinada aos muçulmanos, e na outra
cabiam os cristãos. É certo que os constrangimentos não foram poucos: as
manifestações públicas do culto cristão, ainda que consentidas, provocavam
frequentemente a mofa dos vencedores, a qual, por vezes, revestia um
comportamento de declarada animosidade. No entanto, havia uma mútua penetração resultante
da sensível benignidade com que os Árabes tratavam os vencidos. Oliveira
Martins atribuiu-a a um desdém que não se ocultava.5 Fosse como
fosse, era realidade o respeito dos que dominavam na Península Ibérica pelas
instituições que os hispano-romanos guardavam da monarquia goda. As
autoridades, tanto as civis quanto as eclesiásticas, regiam-se por normas que
vinham na herança do império derrubado e que formavam a sua cultura própria. E,
apesar da maior ou menor aspereza nas relações mútuas de vencedores e vencidos,
as populações lá se iam cruzando.
Para outro vulto eminente
da historiografia hispânica --- o espanhol Menéndez Pelayo --- a situação
social e religiosa da população peninsular nativa não era tão mirífica. A este
respeito, o juízo daquele emérito autor é muito mais severo e denuncia a
inclemência do rigor ditado pelos Califas a partir do ano 850.6 Contudo,
Oliveira Martins introduz uma nota que permite atenuar o rigor expresso naquela
opinião, quando sustenta «(…) que nunca os Árabes seguiram à risca o código
promulgado. (…) e que quase sempre o modus
uiuendi das populações cristãs provinha de tratados especiais como sucedeu
na Espanha.»7
Na verdade, por mais
aguda que tenha sido, nalgumas ocasiões, a hostilidade vivida contra os
naturais da Península, em nenhuma época foram estes obrigados a buscar refúgio
nas catacumbas como séculos antes ocorrera aos primeiros cristãos da Roma pagã.
O que de fanatismo intransigente possa ter havido cá, pela Península, só muito
fugaz e acidentalmente terá sido obra de Árabes. A génese de uma dura opressão
começa ainda em tempo dos Omíadas, fugidos à carnificina levada a cabo pelos
Abássidas, e que tiveram em Almançor o seu mais potente braço armado. Daqui, o
governo passou aos Almorávidas. Foi um governo que, na pessoa do temido Yusof,
de modo nenhum foi fácil de suportar nas zonas ainda não remidas pela
Reconquista. Seguiu-se a dinastia dos Almóadas, os quais nada dispuseram de
mais suave. Com a queda destes, surgem os Merínidas, teimando na mesma política
de perseguição religiosa. Todas estas dinastias, excepto a Omíada, eram
dinastias oriundas do Norte de África.8 Ora o Berbere não é um Árabe.
Entretanto, o extenso
império, cujos horizontes florescentes Tárique e Musa rasgaram, aproximava-se
do seu ocaso. Matavam-no causas internas e causas externas, como sempre sucede
a todo e qualquer domínio temporal erguido pelos homens: era a proliferação dos
reinos de taifas que o roía, e o progressivo avanço das fronteiras cristãs que
simultaneamente acentuavam a dissolução de um corpo que foi formidável.
Obedecia, enfim, ao que é o curso normal de todos os impérios: nascem; atingem
o cume; e decaem. E o que, então, foi alargado pela força,
ou possa voltar a sê-lo futuramente, não era, nem será por certo o
Islão, mas sim uma ânsia de conquista e domínio que transtorna mentes e
corações. Uma vez, pelo menos, como é o caso da ocupação da nossa Península, a
traição também foi articulada em palavras que nada tinham de árabe e por bocas
que não eram de maometanos.9 Nem a tendência para a opressão nem uma
insofrida sede de sangue podem confundir-se com a nação árabe. Aqui, nem sequer
se faz apelo a um critério equitativo para proclamar isto mesmo, porque é de
temer que os perversores da identidade árabe não compreenderão o sentido da
palavra equidade. Esperemos que a eficácia do pedido se baste por ser feito em
nome da mais fria lógica!
Os fogos, que se vão
ateando, fazem subir as labaredas de um conflito antigo e que, agora como
nunca, está crepitante --- é o dilema que se resume na disjuntiva Árabe-Judeu.
Quando não é o momento de
zurzir o povo árabe, é porque vem o gozo de o amesquinhar. Porquê? O acto de
amesquinhar é sempre ou infame ou imbecil. De facto, se o alvo da zombaria
é um pobre diabo, temos que a acção de rebaixá-lo, além de cruel, é o recurso
dos incapazes em ascenderem e se comprazem, portanto, em torturar os mais
fracos, única compensação que têm para as suas limitações; se tem valor, é
crassa a estupidez da troça. Com os Árabes, é este o caso. Recusar méritos ao
povo árabe, quando este é um povo que pode legitimamente orgulhar-se de um
valiosíssimo contributo à cultura universal, é um atentado à verdade
histórica tão grave como, não importa a época nem o sítio onde isso se
verificar, gozar o que foi criado e desprezar o criador.
Deve-se muito a este
povo. Foram grandes, enormes em muitos campos: filosofia; matemática;
astronomia; medicina; arquitectura; agronomia. Tentar roubar-lhes a glória
deste passado brilhante, seria basicamente uma veleidade quase ou mesmo infantil. O que, acrescente-se a título interlocutório, não anula a malícia
de quem assim age. Espelho de ingratidão, é o menos que se lhe pode chamar.
A sua pujança intelectual
inspirou o pensamento filosófico de S. Tomás de Aquino. Tendo bebido na ciência
antiga que brotava das fontes gregas de Platão e Aristóteles, por um lado, e
havendo mergulhado na tradição patrística, este Doutor da Igreja não desdenhou escutar o magistério dos Árabes.
Tirou dele os argumentos que podiam harmonizar-se com a Revelação
Bíblica, e tratou-os a essa luz. Esse labor produziu o que é, de sempre, uma
das mais extraordinárias obras da inteligência humana. A Teologia católica saiu
a ganhar.
Enquanto corria a Reconquista
Cristã, nos paços reais e em outros lugares de destaque, era assídua a presença
actuante de médicos, filósofos, astrónomos e mais sábios de extracção árabe. As
bibliotecas proliferavam e, no seio delas, abrigava-se um número assombroso de
volumes. É fama que sob os Omíadas de Córdova se reuniram mais de meio milhão.
No Cairo, a febre de leitura também era altíssima. E do apurado gosto de quem
tinha a seu cargo a selecção bibliográfica, dá nota o facto de ser Aristóteles
o mais procurado e apreciado pelos leitores. Entre tantos luminares dos mais
variados ramos do saber, não deixará de ser curiosa esta preferência por aquele
que é marco milenar da filosofia ocidental.
O Árabe tinha e ainda
hoje tem imaginação fértil. Sem espírito imaginativo, a arte é difícil ou até
impossível. Arquitectura não é toda a cultura humana e, de modo algum, a arte
se resume nela. Porém, se a estimamos suficientemente e quisermos percorrer um
roteiro de maravilhas arquitectónicas, quem poderá negar que impressiona e
encanta o rasto deixado pelos Árabes? Nem o tempo, que apagou boa parte desse
legado, evita que, aqui ou noutra parte, gozemos essas obras-primas,
seguramente já igualadas em preciosismo artístico, mas dificilmente superáveis.
Tais monumentos são autênticos tesouros saídos da magia a que chega o
engenho humano. Aqui é difícil resistir à tentação de lembrar uma
particularidade no outro ramo da família semita, precisamente o que, nesta
peça, vem sendo posto em posição frontal aos Árabes: enquanto estes deleitam pela
perfeição estética, os Judeus, como protótipo da mais límpida beleza, fundam bancos com as
suas caixas-fortes e, a cada esquina, levantam um balcão que eles dizem estar
às ordens do povo! As construções dos primeiros elevam; as dos últimos são um
valhacouto de perfídias.
O apóstolo S. Paulo
ensina que a perfeição invisível se pressente pelo que foi criado.10 Nas
almenaras de uma mesquita, palpita o anseio de se passar os limites do
contingente: só nas linhas dos templos, que constrói, o Árabe já está rezando
ao Omnipotente. Em contrapartida, é bastante difícil descobrir fome do que é
eterno no dinheiro que tomba no fundo de uma arca: o Judeu, tristemente, põe a
Divindade em cada cobre que amealha.11
Espiritualidade na
arquitectura é um regalo que o povo árabe legou à Humanidade. As mesquitas são,
para o Crescente muçulmano, o mesmo que foram as catedrais góticas para o
Ocidente cristão: as suas almenaras são agulhas que apontam ao Céu,
murmurando a oração de Maomé; os arcos ogivais, as naves do interior e os
pináculos das catedrais, tudo isto desperta em nós a imagem do cristão, que une
as mãos numa prece a Deus.
Depois desta visita ao
valioso museu do passado árabe, é chegado o momento de identificar os autores
morais do terrorismo que se derrama sobre o mundo. É tarefa que custa pouco
trabalho e não vai reclamar muito tempo. Aqui, o apontar de dedo aos culpados,
que ficam na sombra, não é propriamente o mesmo que pronúncia num julgamento
formal. Assume a dignidade de um juízo que pertencerá também à História, e a
exigência desta nesses requisitos é de diferente natureza. Embora nos seus
juízos, a História procure uma decisão definitiva, como aliás cumpre a qualquer
ramo do conhecimento humano fazer, a descoberta da verdade dos nossos
comportamentos só se transforma em certeza, após sentença final a proferir por
um Tribunal legítimo; à História vão bastando indícios seguros para apreciar as
acções dos homens. Essa missão prolonga-se no decurso das nossas vidas e o seu
exercício é não só um direito, como principalmente constitui um dever para cada
um de nós. Essas páginas, que vamos escrevendo na História, têm sobre os
Tribunais a altíssima vantagem de vir eventualmente a corrigir os erros que
estes cometem: em linguagem jurídica, na História está constantemente aberta a
via para uma cadeia de processos de revisão.
Partindo destes
antecedentes, tentemos então isolar os responsáveis morais pela calamidade que
nos vem assolando.
O ISIS tem bases no Iraque e na Síria. Ninguém ignora a proximidade
geográfica destes países a Israel: o último até lhe é fronteiriço. Há notícia
de algum ataque terrorista ou até mais convencional ao território de Israel? Ou
a interesses judaicos espalhados por todo o lado? --- Nem uma! Então quem
alimenta esta legião de extermínio? --- É a Coreia do Norte? A China? Será o
próprio Irão, pertíssimo do território onde se instalou a cáfila assassina? Ou
mesmo a Rússia? --- Não é sensato supor nenhuma destas origens! Seria até
ridículo admiti-lo! Lá temos, como é hábito, os Estados Unidos, esse foco
revolucionário da nossa era, colosso descomunal que, não obstante os ventos de
mudança que pareciam soprar em seu redor,12 continua a alojar no seu
imenso bojo o santuário da judiaria internacional. É assim que se vai traçando
um percurso sem aquela nitidez que a congruência nos dá, porque, mais que
ambíguo, é contraditório de uma à outra ponta. Porém, só à superfície, este
caminho é paradoxal: na raiz, é isto mesmo o devir histórico da nação
americana. Se hoje parece condenar o inimigo, amanhã já lhe dá o braço e com
ele acende o fogo da impiedade. A cólera só pode quebrar as Tábuas da Lei, em sinal de protesto,
quando há um Moisés para receber outras novas. E, no domínio temporal, é este o
drama contemporâneo: o de estarmos desgraçadamente privados de um chefe que nos
liberte da servidão aviltante, para a qual nos arrastaram os adoradores do
bezerro de ouro, os quais se vão repetindo século após século.13 Continua
por aparecer o varão suscitado por Deus. Grandes são as nossas faltas!
Haja decoro e, a seguir,
um pouco de equilíbrio no raciocínio, que tanto bastará. Não há efeito sem
causa e todo o agente actua com um fim determinado. O terrorismo não se exime a
esta regra. Quando posto ao serviço dos potentados terrestres, é uma das vias execráveis
por onde se vai a um domínio que arrasa nações, destrói culturas e reduz a pó a
civilização humana.
Só uma miopia em
adiantado grau ou uma gravíssima carência moral de autenticidade impedirão
descortinar que o nervo motor do terrorismo é o dinheiro, conclusão que não
pode ser afastada no caso que aqui se aborda. Se é evidente que a insofrida
sede do ouro pode perverter o coração de qualquer um de nós, não é facto menos
incontornável que um povo há com especial disposição para tratar o metal luzente
com grande intimidade --- são os Judeus. Do capital, quando lhe tocam, parece
que colhem aquela volúpia que o amante tira ao afagar o corpo da mulher amada.
Esta particular feição da sua personalidade, aliada à inviolabilidade das suas
fronteiras e à imunidade de teres e haveres, no meio da actividade desenvolvida
pelo Daesh, é verdadeiramente
inquietante!
De mistura com tudo isto,
à nossa volta, a carnificina não pára de crescer. É trágico. O número de mortos
e feridos aumenta cada dia. A sangueira é medonha. Como está reagindo a
Europa ao alastramento e à arrogância de uma estranha barbárie, açoite moderno
dos povos e que já não se pode esconder? --- Mais miserável do que é seu
costume desde um passado que começou a desenhar-se com a revolução antropocêntrica,
esta Europa pecadora e, por isso mesmo, uma Europa que inspira dó, parece
apenas empenhada em fazer peito ao Brexit,
ao rombo no acordo de Paris e a umas
quantas coisas mais com que, em nome da sacrossanta democracia, os seus amos ocultos
desejam estrangular os que já não estão interessados nelas, ou nunca estiveram.
Sem ponta de garbo, porque a tanto a reduziu a anemia de que sofre, a Europa
floreia o estoque diante dos Estados Unidos, enquanto exibe uma impotência
confrangedora para defender, como lhe competia, os bens primários e que são
igualmente os bens supremos da pessoa humana: a vida e, sobretudo, a dignidade
moral e espiritual dos seus naturais. Quando o eixo dos cuidados imediatos, a
ter em conta, se desloca do essencial para o que é secundário, o panorama
torna-se desolador e bem pode a comunidade prantear os seus pecados.
De que servem
manifestações de rua, com um número insignificante de presenças, em território
hostil quando não é céptico e indiferente (o que o torna pior), que frutos
produzem esses grupos, pergunta-se de novo, se não houver o propósito de algo
mais do que passear uma Cruz e distribuir folhetos? É que, dali, nada mais sai
do que uns apontamentos para os clássicos meios de comunicação social,
deformados e deformantes, sendo pois uma pura perda de tempo. Sem embargo
do que acaba de expor-se, algum mérito se tem de reconhecer, pelo assombro
demonstrado, àqueles que assim se aventuram. Contudo, não passa disso mesmo:
aventura, que é algo muito distinto de um acto em que o risco foi
ponderadamente calculado. Tem havido uns arranques de indiscutível coragem como
réplica às explosões de ferocidade, que são do conhecimento público. Isto prova
somente que bravura é predicado ainda não de todo extinto em quem se pode opor,
embora sejam visíveis os esforços em varrer essa estimável qualidade.
Nenhum cristão ignora o
poder que tem a Cruz, como signo da Redenção; mas nenhuma pessoa sensata deve
esquecer que, por vezes, à espada também pode estar reservado um papel na
missão de garantir uma ordem conforme à lei natural. Tal missão,
expressivamente definida pela figura bordada sobre o saio que o cruzado vestia,
transmite a ideia de que há uma espada, se a empunhamos por cima; cruz,
se lhe pegamos abaixo. O que infalivelmente nos induz a ver o desenho do
gládio, durante o combate legítimo; e se descobre o madeiro do suplício, na paz
que for justa. Ou será que pretendem meter-nos à cara a repetição de um Pedro,
o Eremita, ressuscitado? Não é um presságio animador, por razões bem sabidas.
Já se adivinha o coro
pacifista. Atroa os ares, ribombante! É um coro de fôlego cheio, conquanto
desafinado, porque perdeu ou nunca teve o diapasão que poria na sua frente a
pauta de uma melodia ética.14 E não se inibe de vociferar: «Isto é
fundamentalismo com outra cor! Um discurso assim,» berra o coro, «é um discurso
belicista, é o grito de quem ainda não abriu os olhos para uma idade de
perfeita concórdia do género humano, no desaparecer dos preconceitos que esmagam,
e na entrega generosa e passiva de vidas e fazendas» (principalmente se forem as
vidas e as fazendas dos outros, faltará que acrescentem). Junto destes, nasce
o pio dever do Jornalista pregar
a sua catequese, proclamando ser feio o apego a coisas temporais e revestidas
de tanta materialidade. Catequese que é hipócrita, visto que outra coisa não
pode ser uma catequese proveniente do jornalismo.
Realmente, certo
desprendimento é virtude muito louvável. Louvável que é, procure-se que essa
virtude seja louvada. O que resulta difícil é louvar essa catequese por parte
de quem está no jornalismo. E é difícil porque nunca se sabe quando um
jornalista é genuíno. De uma ou de outra forma, o seu peso na questão de fundo
aqui falada tem a valia que deriva da perniciosa influência do seu lastimoso
ofício. Nalgumas ocasiões, é façanha quase homérica não ver em algumas das suas
obras o dedo do Príncipe da Mentira.
Para esbater equívocos,
atente-se nestas palavras finais:
A violência é condenável.
Mas a força, que ampara o Direito, não é violência e, consequentemente, é uma
arma lícita. Não adianta pedir compreensão para isto, a quem afivela ao rosto a
máscara de uma mansidão nada credível, ao mesmo tempo que engrossa as fileiras
dos que aceitam ser mentores ou os porta-vozes de uma propaganda tão terrorista
como o terror que dizem reprovar. É muita essa gente e da mais variada espécie:
políticos, que são mandaretes; profissionais da comunicação social; e, até, os
que passam como moralistas. Será, pela certa, trabalho vão esperar que entendam
a distância que separa violência e força, em grau que os faça confessar isso
mesmo, porque entender, poucas dúvidas restarão de que, há muito, o entenderam.
O que lhes falta, nuns casos, é coração animoso para aliviar o aro de ferro que
os asfixia; outras vezes, será ausência de humildade para reconhecer o erro.
Neste tormentoso
problema, uma destas vias bem poderá ser o primeiro passo em direcção à Paz verdadeira!
Joaquim Maria Cymbron
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- Gn. 11, 36; 16, 16; 21, 2. Tem sido uma constante, ao longo de todo este blogue, ir buscar as citações bíblicas à Vulgata. Desta vez, porém, atendendo ao especial melindre do passo aqui versado, decidi recorrer ao TOB, editado por Livre de Poche. É óbvio o motivo: espero assim deixar bem vincado que as passagens, para que remeto, não foram tiradas da cabeça de nenhum ultramontano.
- O pormenor em dizer toda a sensibilidade do género humano não foi uma mera construção de frase: os Judeus --- os Judeus hodiernos, não os Patriarcas e os Profetas do Antigo Testamento, e obviamente, nos tempos messiânicos, Jesus, Sua Mãe Santíssima, S. José e os Santos Apóstolos, sem esquecer todos quantos, filhos de Israel pela carne, o foram e continuam a sê-lo também pelo espírito --- estes modernos Judeus ufanam-se de constituir a única espécie humana sobre a Terra. Daí, que tivesse confluído ao sistema nervoso deles, por inteiro, a sensibilidade que uma criatura humana podia ter. Eles, e só eles, são essas criaturas!
- O Pároco da Aldeia, V (Lendas e Narrativas, Tomo II, Livraria Bertrand).
- J. Lúcio de Azevedo --- História dos Cristãos Novos Portugueses, Livro Primeiro, I; Historia de la Iglesia Católica, BAC, II, P.1, cap. VIII.
- História da Civilização Ibérica, Livro Segundo, IV.
- Historia de los Heterodoxos Españoles, L. II, c. 2. Cumpre lembrar que o ano de 850 pertence ao período em que os Omíadas já dominavam na Península muçulmana, e a política deles assumiu uma feição de rigor religioso ortodoxo, nos termos que resumidamente se expõem e se explicam no texto principal, logo abaixo da opinião daquele autor espanhol.
- Supra 5, ib. Oliveira Martins alude ao célebre cânone do Califa Omar.
- Já o grosso do exército de Tarique fora constituído por Berberes (Historia de la Iglesia Católica, ib.).
- Menéndez Pelayo, (supra 6), L. I, c. 3.; J. Lúcio de Azevedo, (supra 4), ib.
- Rom. 1, 19 e s.
- Os Judeus surdos à Boa-Nova.
- Afinal não foi mais do que aparência. Alguma vez será aquele povo capaz de outra política?
- Impõe-se sempre estar sobreaviso: é doutrina segura para a grei católica que toda a criatura humana, com excepção da Virgem Maria, cai em pecado. Portanto, ninguém há que não tenha violado os mandamentos divinos, ou não venha a fazê-lo. Porém, os Judeus, na sua incontestável condição de mais antigos herdeiros da promessa directa de Salvação, têm uma obrigação especialmente acrescida de fidelidade a Deus. E é a teimosa rejeição, que aqui se regista, o que sinceramente se lastima. Sobeja a esperança da palavra de Cristo, quando diz à Samaritana que a Salvação está nos Judeus (Io. 4, 22), lição que S. Paulo repete, anunciando a futura Iudaeorum conuersio (Rom. 11, 25-32). Por outro lado, nem só a cupidez do ouro é pecado: em rigor, mais que origem dessa desordem, ela é, in se, uma das consequências do apetite de um mando que não conhece limites, que se tem a si próprio como fonte desse mesmo poder, enfim, da soberba que é o princípio de todo o pecado. (Eccli. 10, 15).
- Este coro é o que Antero,
entre outros epítetos nada macios, chamava o «monstro formado de todas as
contradições, (…) vulto escuro que interpõe sempre a sua forma confusa entre a
verdade e os homens (…) maldição das sociedades democráticas (…).» (Prosas
da Época de Coimbra, 1.ª ed., Sá da Costa, 1973, pp. 214 e s.).
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