quinta-feira, 9 de abril de 2020

GERAÇÃO PERDIDA


Este texto será duro e cru. Que seja duro, está nos meus hábitos quando é preciso fazê-lo; porém, a especial crueza, de que se revestirá, constitui novidade.
No entanto, não vejo como fugir-lhe. O aviso cá estáas sensibilidades mais delicadas não poderão queixar-se se as firo. Ninguém é forçado a ler-me!
No meu íntimo, experimento a convicção de que não serei atingido pela pandemia que angustia  a Humanidade.1 Não pergunteis em que me firmo para confissão tão arrojada, porque francamente não sei que dizer-vos fora disto – falta explicação racional a dar; repousa apenas sobre um fortíssimo sentimento!
Que Deus me poupe se isto é presunção! Mas, de modo idêntico ao que em mim prevejo, também estou crente que será debelado o mal que nos aflige. Será essa vitória suficiente para a salvação do Mundo? – Sou obrigado a responder com um não categórico!


À posição, aqui tomada, de não chegar a neutralização de um inimigo – autêntica ameaça universal – a fim de que haja Paz2 sobre a Terra, cabe justificá-la para o que, primeiro, se faz mister esclarecer os fundamentos do que foi dito.

Não chega, porquê? – A razão é muito simples! Mas como tudo que é simples, por vezes torna-se bem difícil de entender. O que se apresenta como simples, é quase sempre bastante exigente, e é isso que assusta as pessoas que preferem seguir adiante, passando ao lado de uma coisa incómoda para a qual nem sequer desejam olhar.

Encaremos o problema de frente, porque de nada nos servirá se tentamos rodeá-lo. Quando muito isso leva apenas a um adiar da solução, sem desfecho à vista e de funestas consequências para quem cair nesse erro.

O pesado ar,  que se respira, não é produto de um organismo que, por aí, gira. De facto, a crise não flui de um agente físico porque, antes que este aparecesse em cena, já era crise moral e, nessa qualidade, é causa deste efeito apavorante. Aceitemos a realidade insofismável de que o vírus terrífico não é biológico: antes disso ele é um veneno chocado no peito humano, muito mais devastador que qualquer dano físico, porque é o espírito que deve ditar a lei à matéria e não o inverso. A nossa carne rebelou-se contra o espírito que acompanha cada um de nós: a concupiscência desordenada pretendeu dominar a razão e conseguiu-o. Hoje, o homem arrasta só o corpo, porque a alma, essa, deixou-a esquecida e sofredora, nem ele sabe onde. Tudo isto se paga por um alto preço.

Sumiu-se o salutar costume de falar em pecado social. Nem admira! Pois se até se ignora – ou se nega mesmo – o que seja o pecado pessoal, como pode alguém entender o pecado social? Entretanto, ele existe: é a soma dos pecados de cada criatura humana, porque nenhum de nós está limpo de faltas. Dez justos teriam bastado para salvar Sodoma, mas nem esses foram encontrados.3

O mal que nos atormenta é, pois, o açoite de Deus à criatura que, inchada na sua desmedida soberba, mais uma vez julga ser possível ombrear com o Criador ou até varrer o Seu bendito nome da face da Terra. Agora, é um agente microscópico, que tanto bastou para pôr em sentido o Mundo; de outras vezes, tem sido por diferentes meios. Contudo, todos eles são meras causas instrumentais ao sabor do que Deus determina que aconteça.

Num labor de séculos, acumularam-se teses deletérias que vieram produzir resultados nefastos – as sociedades actuais estão enfermas, porque fraquejaram e se deixaram dessacralizar. É indiscutivelmente o caso de algumas; outras tocaram o limite da apostasia! E para estas últimas é que se interpõe uma questão pertinente: quando não existe fé, como reagem na sua incredulidade sobrenatural? – O certo é que nem assim se libertam da obrigação de parar e reflectir.

Na verdade, o Mundo carece de reflectir. A meditação é uma das maiores urgências que o homem moderno enfrenta, e a que tem de responder, sob pena de atraiçoar a sua condição de ser racional: sendo desde sempre uma tarefa nobre, é hoje incontroverso que o pensamento entrou em agonia! Em todo o caso, ele ainda não desapareceu. Portanto, à conta disso, fixe-se a atenção nesta pergunta – será assim tão difícil conceder que, se não podem ou não querem avançar pela via de uma fé que não professam, já não lhes é vedado conhecer a Natureza, realidade incontestada pelos mais comuns sentidos que o homem possui?

Nenhuma repugnância experimentará aquele que crê, se tivesse de percorrer este caminho. Quando nele tropeçasse, restar-lhe-ia o socorro imediato da fé. Insista-se, pois, que esse há-de estar aqui livre de toda a ansiedade, porque só é de esperar que olhará a Natureza como obra de Deus, na qual o Criador imprimiu as notas essenciais que a definem. Logo, quem a viola, atenta contra a Divina Majestade. Registe-se uma particularidade: ao passo que Deus perdoa sempre, se o penitente dá mostras de arrependimento, a Natureza já é inexorável. De modo que só Deus a pode suspender. Bom seria, para os que perderam ou nunca tiveram o dom da fé, que se debruçassem e meditassem sobre isto!

Enquanto se espera, lancemos uma olhadela sobre este ponto:

De entre os instintos do ser humano, como mais visíveis, sobressaem a fome, a sede e o apetite sexual: comer e beber têm por função a sobrevivência de cada um de nós; o sexo é destinado à propagação da espécie. Todos eles dão prazer a quem os vive; no entanto, é o terceiro aquele que, pelo maior deleite que proporciona, ocupa lugar de mais destacado relevo.

É também o de maior e mais delicada complexidade. E, por mais inesperado que alguns possam ajuizar, está repleto de notas da mais rica espiritualidade. Apenas se requer que seja vivido segundo os preceitos de Deus ou da lei natural, entendida esta como a «participação da lei eterna na criatura racional»,4 que tudo vale o mesmo visto que uma e outra não são mais que manifestações da soberana vontade do Criador.

Esta é lição do Doutor Angélico, que permanece, e dela não se diga que invalida o entendimento observado por não-crentes. Ninguém lhes impõe que aceitem este comando como emanação da lei eterna, a qual manifestamente não professam. Ao que não conseguirão fugir será ao facto de se encontrar esta disposição gravada a fogo na natureza das coisas. Ora a rerum natura é já um código por eles aceito, sob pena de em nada acreditarem se defenderem o contrário.

A vida sexual, de entre os dons mais corpóreos, é o supremo bem que Deus nos outorgou. Talvez por isso mesmo é o mais maltratado de todos eles: o ser humano está propenso, quase invariavelmente, em estragar aquilo a que deita mão: parece dominado pelo gosto mórbido de enodoar preferentemente o que vê e avalia como mais perfeito. É um comportamento onde está patente uma inspiração satânica!

Com efeito, o homem mancha o sexo quando, pelo seu comportamento, dá impressão de ter esquecido que nessa actividade não é o único actor em cena: vive-a em comunhão de corpos, segundo o que as leis da Natureza dispõem. Esta sublime realidade coloca-o num palco, submetido à estrita obrigação interior de retribuir a dádiva de Deus. É seu dever proporcionar à mulher o que esta dele espera, numa entrega total e sem reservas, pois a generosidade desprendida não conhece o interesse próprio – neste acto,  aquilo que deriva de uma vaidade masculina sempre pronta a exibir-se. Casos em que, por força, não deixaria de ser positivo, o finis operis, mas onde, por certo, o finis operantis perderia grande parte ou mesmo a totalidade do que poderia ter informado valiosamente o mérito do seu desempenho.

Sabe perfeitamente o Demónio que o sexo é o meio de transmissão da vida e o papel relevante que esse meio é chamado a jogar na saúde moral e física da relação homem-mulher. E, porque é impotente para derrubar Deus, no ódio em que se revolve procura feri-lo no domínio da Criação, maxime na sua obra-prima que é o homem. Para alcançar esse fim, talvez o principal processo, adrede escolhido, terá sido a diminuição progressiva da capacidade sexual, acompanhada de uma indesmentida redução na sua frequência. O desfecho salta aos olhos: é um abrir portas à extinção da espécie! As correntes, que especulam à volta de esperançosas e ridentes teorias da hominização, até à data nada de categórico adiantaram que possa opor-se ao risco que isso traz em si.5

Reconheçamos que são cruciantes os danos provocados pelo Maligno. E multiplicam-se os sinais de um agravamento cada vez mais extenso e profundo. Razão esta pela qual temos de pôr de parte a ideia que corre, apontando como aviso de uma escatologia próxima a praga que nos amedronta. Isso é quase uma puerilidade, comparado ao que se passará a expor.

Uma prova de masculinidade, possivelmente a mais significativa, é a do homem capaz de coito que transporte a mulher ao empíreo. Dar é gratificante porque nos aproxima da Divindade, fonte de tudo que temos, pelo que, no sexo como no decurso das demais relações humanas, melhor é dar que receber. O amor-próprio masculino há-de ceder espaço ao impulso da generosidade, como acima já se referiu. A generosidade é uma forma que a caridade assume; e da caridade nada a acrescentar ao que o Apóstolo deixou dito.6

Homem incapaz de provocar esse clímax à que é sua companheira no acto sexual, constitui-se em forte dívida para com ela. Tal mulher é tratada como um saco, onde o seu parceiro despeja o sémen, quando não se esgota no onanismo. Isto só tem um nome: reles exercício de masturbação!

Um pródigo por tal forma desastrado, se nunca contemplou uma mulher irradiando esplendor idêntico ao que Bernini nos trouxe, quando fixou no mármore o êxtase de S.ta Teresa de Ávila, é alguém que nem sabe o que teve nos braços! Essa mulher, assim como está prestes a desfalecer, logo a seguir recobra alento para se agitar, soltando gritos de prazer que parecem arrancar do mais recôndito do seu ser.7

Regressemos ao mau amante. Este homem, se consegue a penetração, não é fisicamente impotente. Portanto, onde está o défice? – Não pode encontrar-se a não ser numa brutal carga de egoísmo. Provavelmente, discorre nestes termos: «eu já estou servido; ela, se quiser subir mais alto, que se satisfaça sozinha.» Todavia, seria curioso apurar quantas serão as jovens decepcionadas, que merecem um maior cuidado por parte dos seus chevaliers- servants. E é também nesta incerteza que a tragédia se projecta.

Entre outras possíveis causas, este ambiente  ajudará a explicar que os índices de homossexualidade – da masculina e da feminina – subam em flecha. Quando não se encontra prazer no sexo convencional, não pode surpreender que se procure saciar a lascívia em práticas antinaturais. Para os que a elas recorrem, esses desvios oferecem-lhes um gozo, que é justamente reprovado segundo os cânones mais ortodoxos, mas que, por outro lado, lhes faculta a vantagem de andar desacompanhado dos encargos de uma paternidade ou maternidade que não querem suportar. Não devem, pois, estranhar se forem qualificados como membros de uma geração maioritariamente virada para o suicídio. Sentem desencanto pela vida: a própria; a que poderiam transmitir; e a dos outros!

Ao falar da defeituosíssima actividade sexual, que se vai descobrindo à medida que o tempo avança, não se curou em determinar se era um relacionamento moralmente lícito ou ilícito. E assim se fez  não porque se tenha caído no relativismo moral que é fundamento dos desregramentos actuais, mas sim por pretender apurar o grau de qualidade desses connubia sob um ponto de vista meramente fisiológico. Não será a nota de licitude que levará uma obra de fancaria a transformar-se em  cópula de sucesso. Pelo que a ferida onde há que pôr o dedo é o seu desprezo por tudo ou quase tudo que não traga o selo de uma catequese vizinha do niilismo. Descansando, nestas balizas, de que nem talvez os próprios se inteiram conscientemente, estão persuadidos que cumprem e acabou-se: o mais não lhes interessa!

A geração, que oscila entre os vinte e os trinta anos, a geração que serve de título a estas linhas, mostra fortes indícios de ser uma geração condenada. Os que a compõem, salvo felizes excepções, pensam que tudo sabem; não escutam conselhos; e acham que de nada precisam. Evidentemente, aos que se comportam por este modo é difícil, senão impossível, ensinar-lhes o quer que seja; orientá-los; ou dar-lhes alguma coisa. É, por consequência, esforço absolutamente vão: hão-de morrer nas teias da soberba em que cresceram. No meio de toda esta empáfia são escravos, bem possivelmente com menos noção da própria dignidade, que lhes cabe como pessoas humanas, do que aquela que ainda sobrava a alguns entre os que os precederam nesta deplorável condição. Assinale-se isto, porque é marca de como e quanto se deixaram reduzir à mesquinhez do automatismo. E bom número deles, se lhes é chamada a atenção para a triste situação a que desceram, nem disso fazem caso. Mais do que pelos sistemas imperantes que os engolem, dão impressão de revolver-se com gosto na desumanização para que resvalam sem cessar. Romperam caminho que supunham juncado de rosas: só colheram espinhos; o corpo saiu coberto de chagas; a alma a sangrar; e, cheios de uma suficiência que é sempre timbre desonroso, têm a desfaçatez de se proclamar realizados.

Que feitos deixam a perpetuar-lhes a memória? Até agora, que completaram de bom, de belo e de grandioso? Muitos já se abeiraram de  idade condizente a revelar-se com maior ou menor distinção. E mesmo dos mais novos seria de esperar que se fossem afirmando como ridentes promessas. Infelizmente, não sucede o que era desejável. Sente-se a desolação quase completa: vivem sobre si próprios, cada vez mais isolados mesmo entre os da sua criação. Deles, parece que o futuro apenas dirá, em breve nota: passaram! E eis tudo!8

Num teimoso e imenso despudor, esta gente confessa ser contrária à guerra porque lhe atribuem a perda de muitas vidas. Realmente, na guerra verifica-se a triste ocorrência da morte. Melhor, porém, fariam algumas dessas pessoas se olhassem as mortes a que dão causa, grande parte das vezes; e noutras, em que não vão além de ser mera ocasião, mas com uma negligência altamente censurável.

Ninguém, de coração, deseja a guerra. Mas a certos coros de um sentimentalismo assaz duvidoso, pouco crédito se lhes pode conceder, porque esses lugares estão prenhes de vozes de quem carrega a culpa de crimes contra a vida, praticados quer por acção, quer por omissão – aborto; eutanásia; sexo feito lixo não matam menos que a guerra! Com grande vantagem a favor da guerra, se a apreciação obedecer a regras morais.

Embora não se afastem as mais profundas razões éticas, estilo que o Movimento Legitimista Português, desde a sua origem, se vem esforçando por defender, neste passo apela-se somente a um princípio de coerência mental. Assim, parece forçoso declarar a inconciliabilidade que há entre condenar a guerra porque nela se morre e, simultaneamente, tomar posição a favor do aborto. Traga-se, ao de cimo, o que nenhum desses pelotiqueiros de um verbo enganoso ignora, enquanto maliciosamente quer convencer dos seus bons propósitos quem lhe dá ouvidos: quem mata, na guerra, está vulnerável; no aborto, o feto é vítima indefesa e os que o destroem não se expõem à morte! Deixando ao lado palavras amenas, este confronto leva a concluir do seguinte modo: a guerra é um flagelo para que nos empurra o pecado; o aborto é, in abstracto, crime de uma repugnante cobardia, que apenas a doutrina da não-exigibilidade poderá desculpar, sem que porém o justifique, havendo ainda o recurso ao estado de inimputabilidade de quem vive este drama (haja em conta o padecer da Mãe, a qual poderá, nalguns casos, colher o favor deste juízo indulgente). No entanto, aqui já se invade o domínio da casuística, o que diz respeito a uma análise subjectiva que exorbita do intuito do presente texto, embora cumpra lembrar que isto mesmo, ainda que no mais directo exame do problema, nunca invalidará a censura dirigida ao facto que é o aborto, na sua dimensão objectiva.

A terminar, ainda umas breves palavras mais a respeito da eutanásia, esse crime de homicídio chamado daquele jeito por mor de um cinismo que se pretende eufémico. Vem de molde realçar o parentesco que a língua grega revela entre eufemismo e eutanásia. Esse laço apenas expressa que há tanto de bom e de verdadeiro no que oferece a morte por eutanásia, como o eufemismo adoça a rudeza de um termo ou de uma ideia. De alto a baixo, de uma ponta à outra, temos a incoerência a dar cartas!

Não é o paciente que alegadamente pede e permite que lhe apressem a morte porque não suporta mais sofrer? É pelo menos o que se conta! Mas não é acaso o paciente, nessa hora de tremendas dores e angústias, alguém que tem alteradas as suas faculdades, o que necessariamente se reflecte na sua lucidez e num consentimento que, de resto, nem sempre sabemos em que medida foi prestado?

Seja quem for aquele que tão atrozmente pena, o seu estado mental e anímico nesses terríveis momentos não se distingue do que move quem celebra um negócio jurídico com a vontade viciada por alguma das causas que, em direito, determinam a anulabilidade. Não repugna até aceitar que, em tal quadro, a imputabilidade do paciente pela eventual ilicitude do facto, se encontra amplamente diminuída senão mesmo dirimida por completo. Logo, grande, imensa, descomunal é a responsabilidade de quem lhe dá morte, porque outra acusação não cabe aqui. E esta culpa é exclusiva desses que tão feia acção praticam!

Por este andar anárquico, não faltará quem tente legitimar o trato através do qual uma pessoa se obrigue a servir outrem como escravo, sendo para ela suficiente declarar que assim procede porque desse modo o quer. Quando se erige a vontade em padrão da moral, tudo acaba permitido. Esta é, desgraçadamente, a filosofia dominante que, há largo tempo, dá o tom aos povos.

Aqui se deixa, pois, o sumaríssimo relato de alguns males que ameaçam o género humano, muito possivelmente os determinantes principais da decadência vivida. No corpo social, não são certamente agentes menos inócuos que o vírus desta pandemia. Serão talvez mais lentos a produzir os seus efeitos, mas que também são letais, lá isso só restarão dúvidas a quem deseje caminhar de olhos vendados para o abismo. Instalou-se uma cultura de morte! O vírus passeia-se no seu habitat e nele vai estadeando o seu poder mortífero.

Mas Ser é melhor que não-Ser. Por isso, o Bem triunfará sobre o Mal, sem contar de que espécie for este. Já não é só a fé que o assegura; o mero entendimento também nos induz a esperar igual remate!

Semana Santa
Coimbra, 2020

Joaquim Maria Cymbron
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  1. Por esta altura, eu ainda depositava fé na verdade da anunciada pandemia. Agora, cada vez acredito menos nela porque chego a duvidar da existência de um vírus, até hoje muito mal definido – se é que cientificamente se pode considerar definição a que dele dão – e que apresentam como sendo a causa do mal que tanto terror semeia. Todo o texto acusa, pois, a suposição em que, talvez precipitadamente, eu me encontrava. Porém, essa ilusão não alterou o fundo daquilo que exponho: o meu pensar acerca da geração, de que falo, é o mesmo com a alegada pandemia ou sem ela. Infelizmente!
  2. A Paz, à qual se alude, aquela que devemos apetecer, não a que se paga com demissões, porque essa também a encontramos nos cemitérios de corpos e nos ergástulos de almas, a Paz ideal, portanto, é a Paz que S.to Agostinho definiu nestes termos: «pax omnium rerum, tranquillitas ordinis.» (De Ciuitate Dei XIX, 13, 1). Tranquillitas ordinis, ou seja de uma tranquilidade de ordem, mas ordem que repouse sobre os valores perenes da Justiça. De outro modo, nada nem ninguém ficaria em Paz.
  3. Gen. 18, 32.
  4. Summa Theologica I-II, q. 91, a. 2.
  5. J. A. da Silva Soares – Pólis, 3, col. 320.
  6. I Cor. 13, 13.
  7. Sobre a estátua do italiano, como não podia deixar de ser, choveram já muitos juízos fundados em processos de intenção que, boa parte das vezes ou mesmo sempre, não terão escapado à falta do rigor exigido a qualquer crítico. A culpa, porém, cabe aos que nos dizemos católicos, porque deixámos o puritanismo protestante cobrir a realidade sexual como sendo algo vergonhosamente pecaminoso. Ora isto é um erro colossal! Pelo sexo, tanto o homem como a mulher, se o viverem de acordo com a lei eterna, participam, de um modo secundário e subordinado, na obra da Criação como causas instrumentais dispositivas de Deus. Não se estranhe, pois, que a mulher entre num momento extático, o qual nada tem a ver com o da Doutora Mística, de natureza perfeitamente distinta e cuja génese é exclusivamente sobrenatural.
  8. Há mais de trinta anos – o que demonstra que se trata de um fenómeno de gradual degenerescência – Miguel Torga escrevia estas luminosas palavras: «Demorada conversa com jovens. Vieram de longe para falar dos seus problemas. É sempre dos problemas deles que os jovens de hoje falam. Dos que dizem respeito aos pais, aos avós, aos mais velhos, não querem saber. (...). Além dos vinte anos, a humanidade e os seus dramas já os não interessam. Estoicamente, (...), fui aguentando aquele egoísmo, de que os próprios não tinham sequer consciência. É, de resto, essa crueldade inocente, sem maldade, essa indiferença sem remorsos, que singulariza de maneira terrível como fenómeno social a presente geração. A nossa lutava apaixonadamente com os progenitores, o que era ainda uma maneira de os honrar. Ela ignora-nos, pura e simplesmente. (...).» E concluía de forma impiedosa para com as reais culpas das gerações pretéritas: «Temos o que merecemos. Fizemo-la nascer num mundo sem esperança. Não queiramos agora que nos esteja agradecida e se reveja em nós. Quem não tem futuro, não tem passado. (...).» (Diário XIV, Coimbra, 13 de abril de 1984).
JMC

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