· Non seruiam! Este foi o grito que fixou o começo da Revolução Universal.
· Sereis como
Deus! Aqui temos a mola da primeira afronta feita pelo homem à
divina Majestade, patente na desobediência de Adão.
· Subireis a Pontífices
das religiões nos vossos reinos! Constituiu a insurreição do temporal
contra o espiritual.
· E tomareis assento no
trono primacial! Outro não é o brado das sublevações aristocráticas.
· O poder dos imperantes
é absoluto! Eis o cesarismo rasgando o tecido natural da sociedade.
· Que são os nobres mais
do que nós? Assim se discorre nas comoções da burguesia.
· Porque não temos tanto
como os ricos? É a obsessão dos agitadores socialistas.
· Cada um de nós é
soberano! Deste modo pensam os inimigos de qualquer tipo de ordem, sejam eles
pedreiros-livres ou anarquistas libertários.
A
Humanidade, privada de ordem, assemelha-se a uma horda animalesca. E adopta
pior procedimento que os brutos, bem patente no aparecimento de um novo culto –
o daqueles que se prostram diante do que é inanimado. Anda pior do que os
irracionais, porque estes nunca erram nem prevaricam se seguirem o instinto; o
homem, se faltar ao dever, age com culpa, fora os casos extremos de
não-exigibilidade. E, cedo ou tarde, pagará por isso!
O Mundo, está
visto, perdeu o sentido de tudo que é autenticamente sagrado. Quanto mais se
desvia de Deus, mais o homem se afunda.1 Degrau a degrau, foi o
homem descendo na escala da própria dignidade: como Lúcifer, revoltou-se
primeiro contra Deus; depois, endeusou-se a si mesmo; hoje em dia, adora a
matéria.
A
degradação de Portugal não é um processo separado do que atinge o resto do
Mundo e a sua explicação mais profunda radica no que acaba de expor-se. O resto
são acidentes de um só percurso, ao qual não temos sido capazes de fugir.
Por
conseguinte, provém de desvarios muito antigos a lepra que cobre Portugal e só
agora veio a estender-se com mais intensidade, desfigurando-o a ponto de o
tornar quase irreconhecível. A presente hora é sombria e nem outra coisa havia
a esperar.
Passemos,
pois, em veloz revista, o momento que se vive:
Pode o
demónio da Troika entrar por aí e ditar leis em nossa casa, que isso não
nos dói: organizam-se umas manifestações de protesto; vomita-se um chorrilho de
injúrias nas redes sociais; e toca a descansar que a canseira sofrida já
foi demais. Nem interessa perguntar à história quem talou o nosso solo,
trucidou populações, pilhou as nossas igrejas: o melhor será olvidar esses
eventos, carregados do bafo pestilento da Bastilha e enodoados pelo sangue da
guilhotina, autênticas ninharias, não há que ver, dando assim prova de
coerência com o nosso proverbial feitio de passa-culpas. Prossigamos! Que os
grifos do leopardo britânico, pelo menos desde Methuen, viessem rasgar,
dolorosamente e fibra a fibra as carnes de Portugal, é assunto irrelevante que
não tem de afligir: vão-nos salvando as meninas do bom tom, falando português
com um acento very british, numa linguagem estafada, e além disso
pedantesca como tudo o que é copiado, mormente quando é grosseira a imitação.
Também pouco ou mesmo nada importa que lá das bandas dos States,
furiosos tufões, que ciclicamente se levantam por Wall Street, deitem
por terra o equilíbrio de muitas economias. E cala-se a notícia de que a Casa
Branca de braço dado ao Capitólio, tendo o Pentágono como virtuoso, multiplicam
guerras para, em seguida, os seus dirigentes se apresentarem ao Mundo como
cruzados. Não se sabe bem de que causa são cruzados estes Americanos, porque
são cruzados sem credo para pregar, privados de qualquer doutrina, despojados
de semente que frutifique – o rasto que deixam é o de um vazio confrangedor, e
este deserto moral é o espelho da sua alma. Todavia, disto tudo, que é muito,
que é grave, e de outras escondidas ameaças, nada conta para preocupação da
nossa gente. O que monta, aquilo que nos inquieta é a velha ameaça do leão
espanhol, sempre à espreita, rondando a porta, mal pavoroso ao qual temos de
opor, se queremos sobreviver, a altíssima missão de recuperar Olivença. Numa
crónica, infeliz e apagada obsessão contra o país vizinho, da qual o episódio
de Olivença é apenas uma amostra, alheados das batalhas que vale a pena travar,
vamos consumindo energias com sério risco de desaparecer como Nação. Porquê
este mau agoiro? Porque, no mínimo por omissão, se está colaborando, com maior
ou menor consciência daquilo que se faz, na obra de destruição que
paulatinamente vai corroendo a nossa identidade genuína.
Num povo,
onde ninguém apareceu com força suficiente para impedir uns desnaturados de estadearem
a traição, entregando um império, continuarem alguns a tocar os clarins do
combate a Castela, seria pilhéria de mau gosto, se antes não fosse imensamente
perigoso. E como fenómeno vivo que é, indicia o sintoma funesto da nossa
decomposição. Se a paranóia de Espanha é patriotismo, então o anafado marido de
Madame Oriol, que Eça retratou com perícia magistral,2 também seria
um exemplo de zelo da honra conjugal. Miseravelmente, aquele pobre homem
confessava a sua indiferença perante as infidelidades da mulher, desde que ela
o atraiçoasse só com amantes escolhidos na mesma roda social; explosão de brios
ofendidos, apenas quando o parceiro de adultério era o trintanário. Esse estava
proscrito! De forma análoga nos encontramos na matéria da qual, aqui e agora,
se trata: alguns há que suportam todos os ataques à honra nacional na condição
de não vir de Espanha a afronta: essa é o lacaio do conto queirosiano. Que
desoladora mentalidade!
Hoje em
dia, a Espanha não está menos de rastos do que nós. Efeitos de uma decadência
moral e material para que a atirou o mesmo veneno que vimos tragando e nos vai
matando --- a democracia misturada com o liberalismo. Que resultou desta
simbiose? Tinha de gerar frutos daninhos: a ética degenerou em licenciosidade;
a ordem pública tombou na anarquia; a liberdade, há muito desviada do seu
exacto conceito, é hoje uma miragem, inútil como todos os enganos; a probidade
foi substituída pela corrupção!
Não se
creia por isto que Portugal nada tem a recear de Espanha. A crença numa aurora
de paz universal soa a falso, e é a melopeia que a subversão serve em bandeja
de ricos lavores para embalar os néscios. É evidente que esquecer a lição do pot
de fer contre le pot de chair tem um nome: temeridade! E Portugal, enquanto
não levar volta, é cada vez mais uma panela de barro, ao lado da panela de
ferro que é Espanha, mesmo como agora ela está. Portanto, as nossas
relações internacionais têm de ser orientadas pela medida da prudência.
Relações com todos os Estados sem excepção, note-se! Centrar essa preocupação
de reserva e cautela num único país, é não só doentio como também arrasta
consigo o perigo de suicídio.
No
entanto, contra tudo o que é previsível, se Espanha eventualmente avançar
sobre Portugal, pratica um acto injusto e mete-se num aventura insensata.
Ventos de separatismo, já tem que lhe chegue. É razoável supor que queira mais?
De parte a parte, seria um conflito entre os que, por este andar,
pouco falta para se estorcerem nas vascas da agonia. Contemplaríamos o espectáculo
macabro de uma guerra de moribundos. Estão, por isso, anulados os projectos do
iberismo? Nunca, frise-se de novo! Porém, se a indesejável união peninsular se
consumar, se isso ocorrer, não se dará a anexação operada pelo lado de uma
Espanha triunfante e dominadora, porque ao que assistiremos, nessa altura, será
à diluição conjunta de ambas as nações no todo imenso de uma Europa disforme.
Este, o dano irreparável que é de temer; entretanto, há quem prefira ficar-se
pelo brado do "arreda Castela". Construtivo e heróico, não haja
dúvida! Pobre Portugal e pobre Espanha se esta repulsa primária
prevalecer sobre a decisão de lutar contra o que é verdadeiramente deletério.
Oxalá venham os campeões dessa persistente aversão a convencer-se de que,
faz tempo, o inimigo de Portugal mora dentro das suas próprias fronteiras.
No dia em
que Portugal e Espanha recuperarem as suas raízes históricas, conservando
intacto o dualismo político, poderão servir de exemplo ao Mundo de como a
unidade moral não destrói fronteiras territoriais, nem acaba com soberanias
distintas. No presente, nem pensar em acordos dessa espécie: a guerra de
moribundos cederia a vez à aliança do sepulcro!
Deixemos a
Península e estendamos o olhar até mais longe:
De novo
treme o Mundo, ao ouvir o nome da Rússia. Não tardará que se volte ao
maniqueísmo do pós-guerra: "se não te agrada o tio Sam, cuidado que
vem aí o urso do Leste!" Simplesmente, pode suceder que, contrariamente ao
esperado, o abraço yankee sufoque muito mais do que o russo. Não há
asfixia mais dolorosa do que a angústia moral daquele que nada de bom ou de mau
recebe e a quem cortaram o sopro anímico, roubando-lhe o fôlego que dá
vida, uma vida que seja algo mais do que o mero existir; a Rússia é messiânica
e, se nem sempre transportou uma fé que fosse luz e calor, iluminando todos os
entendimentos e arrebatando vontades, o certo é que nunca surgiu sem trazer com
ela uma mensagem. Das vezes que impôs o seu selo, mesmo quando foi um selo
viciado e vinha envolto nas maiores violências, teve sempre o mérito de
nunca esvaziar as mentes e secar os corações. Entretanto, a América rival como
responde a isto? – Essa tem a generosidade de ofertar-nos os índices do Dow
Jones e do Nasdaq! Mas dá mais: ao som das trombetas de um pretenso
princípio de autodeterminação, ela tira do seu depósito de mitos estes dois
tesouros: a utopia democrática e uma ilusão de liberdade! Como os distribui? –
Simples brincadeira de crianças inocentes: derruba governos; semeia o caos;
arrasa com bombardeamentos; e sobre as ruínas de uma terra devastada, para que
não a caluniem acusando-a de tudo reduzir a pó e cinzas, cai em si e ergue um
cemitério! Não realiza isto a felicidade dos povos?
Sob certo
aspecto, mas muito mais ampliado, desenha-se hoje um quadro substancialmente
parecido ao que a História registou no dealbar do séc. XIX. Por essa época,
toda a Europa gemia debaixo da sola dos colossais exércitos franceses que, de
arma ao ombro, desfilavam invictos do Atlântico aos Urais, tendo parado só
em Moscovo. Quem foi, então, o campeão que ousou desafiar o poderio de Napoleão
com o fim de derrotá-lo? – A Santa Aliança, coligação de nações, cuja alma foi
a Rússia, que entretanto expulsava do seu território le petit corse!
Que papel reservará o futuro próximo à Rússia milenar? Custa assim tanto
aceitar que há-de ser idêntico, no esforço despendido e no êxito obtido? Se o cepticismo tomou conta dos homens e o relativismo matou
toda a certeza legítima, não pode haver esperança em quem por tal modo perdeu o
sentido do absoluto, e não admira que o caminho venha a abrir-se àqueles que
guardam a noção dos valores que perduram. A Rússia tem essa noção!
Assim é o
cenário que rodeia Portugal. Convenhamos que nada mostra de atraente. Na
encruzilhada que se abre, num Mundo progressivamente mais dividido e mais
desconfiado, cumpre aos Portugueses optar por uma via. Façamos votos de que, na
esteira da nossa secular tradição, essa escolha seja ditada não por rancores ou
ressentimentos, mas sim pelos interesses superiores da Nação.
O amor a
Portugal não se alimenta de ódios a nada nem a ninguém. Com efeito, ódio e amor
não combinam. É até perfeitamente ajustado afirmar que se excluem mutuamente. A
incompatibilidade entre amor e ódio é total, porque coração onde o ódio cabe, é
necessariamente coração incapaz de amar. Depois de Deus, o amor à Pátria é o
mais sagrado amor que há. Não está acima, nem abaixo do amor aos Pais porque é
determinado por estes: é pelos Pais que conhecemos a Pátria e para ela
nascemos, mas já é mais difícil conceber o contrário, se temos a desventura de
não saber quem são os nossos Pais. Não se estabelece com isto nenhuma primazia;
procura-se apenas enunciar a relação de afinidade entre dois deveres
indiscutíveis, definindo bem os seus contornos. Cientes desta ligação natural,
somos levados a pensar que este nexo, sem sofrer alteração, se estende por um
universo de pessoas, o que automaticamente transmite à Pátria uma identidade de
valor transcendente e que é inconfundível: alfobre prodigioso de famílias
constituindo os anéis vivos de uma formidável cadeia humana, corpo místico que
se renova, de geração em geração, porque os seus membros vão coexistindo e
sucedendo uns aos outros, alongando-se no tempo e no espaço, eis o que a Pátria
é. Daí que à Pátria tenhamos de tributar um excelso amor. Consequentemente, o
amor, que é devido à Pátria, tem de ser um amor limpo de todas as
cargas negativas porque estas só viriam enodoar a beleza de tão
sublime sentimento!
Pisando
estes domínios, com passo bem seguro, Alfredo Pimenta não se enganava quando,
desassombradamente, sem vacilações nem ambiguidades, punha a Nação acima de
tudo. E como esta exaltação candente tinha virtualidade bastante para causar
alvoroto derivado da surpresa pela tese inusitada, logo o insigne Mestre da
Portugalidade sossegava essas consciências mais escrupulosas e, firme na sua
sabedoria, inabalável na sua convicção, esclarecia com placidez que «sem Deus,
é a Nação sem alma; sem Rei, é a Nação acéfala.»3, acrescentando que
«(...) sem Deus, a Pátria é um mito, sem o Rei, nem o Poder de Deus encontra o
seu legítimo executor, no mundo da Política, nem a Pátria possui o elo que
prende eficazmente, através dos tempos as gerações, e as torna solidárias ou
colaboradoras na procura normal dos seus destinos.»4
A
concepção, que Pimenta desvela ao nosso olhar, representa uma visão integral de
Pátria, que confessa Deus e aclama o Rei. Não choca nem repugna. E merece
destaque que este autor, depois de fazer profissão de fé na existência de Deus
e reconhecer o Seu poder no regimento dos negócios temporais porque d' Ele é o
governo do mundo, acabe atribuindo à realeza a função mais
característica da sua essência – a de ser cabeça da grei! Com efeito, se nos
lembrarmos que o Rei, além de Rei e antes de o ser, é um chefe de família,
depressa compreenderemos como estruturalmente a monarquia é um conjunto de
famílias, que buscam lição e aproveitam o exemplo numa delas, na qual se
revêem. Neste processo forma-se uma comunidade política, que mergulha no
passado, atravessa as idades e tem vocação de futuro, com isto nos oferecendo,
como já referido, a grata imagem de Pátria, rica de tantos sacrifícios
gloriosos, e prenhe de ridentes promessas enquanto Deus for servido!
O último
envolvimento de Portugal num projecto de cariz nacional foi, inequivocamente, a
guerra do Ultramar. Não está o desalento na derrota em que acabou esse moderno
Alcácer-Quibir, mas sim no comportamento de todos os que ali intervieram com
consciência de que cumpriam um dever indeclinável e nobilitante. A obrigação
pretérita não terminou com a felonia praticada. Muito pelo contrário, aumentou.
Porém, até ao presente, nada se fez. E seria bem melhor ter pressa porque já
não resta muito tempo à geração que lá andou. À tarefa de recuperar o que se
perdeu, não há-de ser estranho um propósito de catarse redentora da dignidade e
da honra que os traidores enlamearam. Isto tem sabor de penitência porque é
verdadeira expiação de uma culpa em que incorreram todos quantos viveram esse
período, uns por acção ominosa e os outros no grau exacto da sua omissão.
Há poucos
meses, Mário Soares, um dos maiores traidores de sempre na já longa história de
Portugal, alertava para a eventualidade de uma guerra civil, que seria, no seu
entender, a réplica imediata a uma mexida na Constituição.5 Porque o
fez? Provavelmente porque o projecto de alteração não lhe assentou de modo
satisfatório, ou buscou talvez o sensacionalismo que tanto é do seu agrado. Por
isto ou por aquilo, reagiu deste jeito.
Seja a razão qual for, saindo daquela boca, o
mais certo é ser palavreado oco! Soares fala assim porque bem sabe que pode
agitar esse fantasma sem qualquer risco de que ele surja nos próximos tempos.
Porventura, já regressaram a coragem e a tenacidade indispensáveis para uma
guerra (e para mais uma guerra civil)? Pelo menos, sinais disso não se
descortinam e, por isso, vai acontecendo o que vemos. Quando o pundonor voltar,
a música será outra. E lá que há-de vir, isso flui inevitavelmente do
determinismo que rege as relações humanas, consideradas estas na sua
generalidade, porque as sociedades, como os indivíduos, também possuem o seu
instinto de sobrevivência. Tem a particularidade de ser um movimento de
gestação lenta por força da sua natureza colectiva, com tudo que lhe está
inerente. E isso demora a resposta.
S. Tomás de Aquino, para que a guerra fosse
lícita, defendia que tinham de somar-se três elementos, em perfeita concórdia: a
autoridade do príncipe; ser justa a causa pela qual se luta; e, por fim, recta
intenção por parte de quem move a guerra.6 Faltando um destes
componentes, a guerra não tem justificação. Guerra e sedição reclamam
tratamento análogo. Nestes termos, o que for justo num lado, sê-lo-á igualmente
no outro. Não é raro que a sedição conduza a um conflito bélico dentro da mesma
comunidade nacional. A diferença mais acentuada é, pois, uma eventual questão
de precedência. Num breve sumário, alinhemos as condições exigidas para que se
possa partir para uma rebelião, no caso concreto de Portugal:
·
Um chefe – Por
enquanto, não se lobriga.
·
Congregar vontades –
Não é o mesmo que um piquenique: as pessoas, apesar das dificuldades económicas
(reais umas, imaginadas as outras) habituaram-se a um certo bem-estar material,
custoso de abandonar. E, além disso, o que mais pesa: numa guerra há mortos!
·
Traçar objectivos –
Quando uns desgraçados saíram com tanques para a rua, na triste madrugada de um
Abril já distante, iam com um propósito claro: não ignoravam que caídas certas
cabeças, o sistema iria a terra como de facto aconteceu. Mas, hoje, ainda
que tenhamos garantido o que vem nos dois primeiros pontos, não temos a
mais pequena informação de quem há-de ser neutralizado,
porque é dado líquido que, na maioria dos cargos, os amos do poder
efectivo não são indissociáveis dos que ocupam os postos de mando, e se
conhecemos estes, pouco ou nada se vê dos outros. Além disso, mesmo que os
encontrássemos, não se sabe por quem os substituir num terreno podre como está
o cenário político português. De resto, falta assentar na
política que deverá ser instaurada.
·
Há ainda outra
condição a preencher e é aquela a respeito da qual teólogos e publicistas mais
ortodoxos sempre convergiram – a de que, dentro de uma razoável prognose, a
insurreição não traga maior dano à comunidade do que o regime perverso ao qual
se pretende pôr cobro. Ora isto só pode observar-se quando se verificam os
requisitos anteriormente enunciados. De outro modo, será um motim desordenado,
que se alargaria a sectores da população, mais ou menos extensos.
Esta exposição, não obstante o que tem de
sucinta ou até por esse mesmo motivo, esclarece eloquentemente quanto aos
escolhos que há a vencer. Isto traz-nos a pálida imagem do que nos aguarda
numas proporções possivelmente gigantescas, se queremos, como devemos,
pôr termo à crise real. Essa crise é a situação interna, que nos desgasta,
e não a Espanha do pesadelo em que alguns, num delírio febricitante, a
pretendem transformar. Essa crise, enfim, é reflexo da iniquidade que temos
dentro de portas, e que não constitui caso isolado num Mundo em desalinho. Só
essa crise é que corporiza o mal que temos de debelar e apenas ela devia
constituir a nossa dor de cabeça.
Não nos espantemos se a contenda que
fatalmente há-de estalar, provocada pela revolução que escraviza o Mundo, venha
a assumir um aspecto distinto. Não será já uma guerra civil nos moldes
clássicos. O Mundo não é o mesmo, muitas coisas se alteraram na substância e na
forma. É outro o quadro, na sua especificidade e nos contornos que apresenta.
Tudo, pois, se encaminha para um fenómeno novo, porque o pleito, que se vai
discutir, debate-se à escala planetária e será uma polémica cruenta num
confronto da civilização contra a barbárie.
Se assim suceder, não sairá deslocado
chamar-lhe a III Guerra Mundial. Queira Deus que seja a última, e que a Paz
desça sobre a Terra. A Paz, sim, mas a Paz que repousa sobre a Virtude e a
Justiça, e nunca a quietude do conformismo, das demissões, do indiferentismo.
Em suma: a Paz de Deus, que é a única apetecível porque só ela consola!
Joaquim
Maria Cymbron
___________________________________________________________
1. Proverbia, 14, 34.
2. A Cidade e as Serras, Lello & Irmão -
Editores, Porto, pp. 119 e s.
3. As três verdades vencidas,
Organizações Bloco, Limitada, Lisboa 1949, p. II.
4. Ib., pp. 21 e s.
6. Summa Theologica, 2-2, q. 40, art. 1.
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