Para o que se tornou meu hábito escrever neste
blogue, apresenta-se notoriamente curto o que hoje publico. É simples a explicação: o episódio, que
relato, está marcado por uma nota castrense; e a linguagem de militares ou para
militares só resulta inteligível, quando obedece a um estilo – aquele que
vai directo ao núcleo da questão!
Especulações, essas ficam a cargo dos políticos.
A Marinha escolheu
Coimbra para palco dos eventos com que celebrou o seu dia neste ano de 2019.
Na cerimónia militar,
usou da palavra S. Ex.ª o CEMA. Justificando o esforço desenvolvido para captar
gente moça, o Vice-Almirante Mendes Calado destacou as possibilidades de
valorização pessoal, que a Marinha proporciona, afirmando que «(...) na Marinha
é possível atuar no mar, em terra e no ar, onde e quando necessário, salvando
vidas, protegendo os nossos recursos, investigando o oceano e, se requerido,
combatendo por Portugal!»1
Nada a estranhar neste
excerto se não fora o segmento final. Ali se lê que se combate por Portugal,
«se requerido».
Muito bem! Pergunta-se,
então: Quem é o requerente? Se era ideia do orador incluir nas missões da
Marinha a de combater por Portugal, quando as circunstâncias o requerem, temos
que as suas palavras são sábias. Todavia, o pior é que isso não resulta
claramente da letra do discurso, a qual neste ponto, força é dizê-lo, abre via
a muitos entendimentos.
Na estrutura de um
discurso escrito ou oral, é certo que deve prestar-se atenção à sequência de exposição das
palavras que o compõem. Embora não necessariamente, essa disposição é capaz de
influir na interpretação do mesmo.
Considerando, porém, a
altíssima hierarquia do autor desta peça, devemos admitir que o seu pensamento
não se afastará uma polegada do que é a vocação primacial de qualquer corpo
militar, seja ele qual for, maxime tratando-se
da Armada de Portugal, rica em tantas e tão gloriosas tradições. E porque fora
disto, se entra no domínio das conjecturas, processo ao qual falta dignidade
para que o sigamos, vamos adiante:
Ninguém, de seu perfeito
juízo, regateia louvores às diversas polícias que nos servem; às unidades de
bombeiros sempre prontos a dar a vida pelo seu semelhante; à protecção civil;
ou a quaisquer outros movimentos cívicos formados ou a formar, desde que mostrem abnegação. Em todas as
acções que constituem missão destes organismos, nenhum argumento há para não
intervirem também as forças navais. Dir-se-á mesmo que isso é um imperativo
ético!
Mas por mais meritórias
que sejam essas funções, a razão de ser
da Marinha de Guerra é bem outra.
As Forças Armadas têm
filosofia diferente da sociedade civil, em que se integram e que servem. Provém
essa diferença da sua génese; do seu viver; e dos reais fins para que existem. A
sua mentalidade foi moldada, pois, por tudo isto junto, mas predominantemente
pelo último motivo. Com efeito, o destino dos corpos militares está definido
sem ambiguidades – a defesa da Pátria contra o inimigo externo ou interno!
Nenhum poder político
traçou este rumo, como também não conseguirá que dele se desviem as Forças
Armadas. A consciência, que as lança nessa rota, fala com a eloquência própria
de um grito de alma profundamente gravado nos tecidos da sua memória colectiva.
Monarquia ou república;
sistemas de autoridade bem marcada ou as águas mornas da praxis democrática; ditaduras de sufoco ou a caprichosa prepotência
das balbúrdias demagógicas, tudo isto é apenas um amontoado de trajes, que vão
cobrindo uma Pátria ao longo do seu percurso histórico. Porém, nenhuma destas
roupagens lhe dá a feição por que é conhecida e venerada – a Pátria é uma linha
que o tempo desenha, geração após geração. Nunca desapareceu, apesar dos sobressaltos
que a sacodem de quando em quando, porque a sua identidade transcendente permanece.
Daqui, impende sobre as Forças Armadas o dever sagrado de se manterem fiéis ao
mandato que lhes chega do passado – garantir condições para a preservação do
Bem Comum!
Ao sublinhar o que é,
especificamente, não a tarefa confiada às Forças Armadas, mas sim o que delas
se espera porque constitui a sua essência, contribui-se para uma melhor ordem
daquilo que faz parte do palco em que não podemos deixar de nos colocar – a
comunidade humana.
Os dias, que passam, oferecem-nos
uma autêntica babel de conceitos. Procuremos separar o que é distinto:
Em culturas como é a
portuguesa, erguem-se duas instituições que acompanham os passos dos povos – a religiosa
e a militar:
No seu múnus espiritual,
os sacerdotes de qualquer culto não têm de ser guiados pelos profanos, nem
devem ditar leis temporais: estão à parte; situam-se num patamar que se ergue
isolado e que, em certo sentido, se encontra bem acima dos governos dos seus
fiéis.
De modo análogo, não cabe
às Forças Armadas o exercício da política, assim como não se encontram vinculadas a uma obediência
incondicional por parte de quem detém o poder civil; por outro lado e à semelhança das
sociedades religiosas, também as Forças Armadas, não obstante o que isso possa contrariar
as boas consciências burguesas, são uma instituição que paira em alturas
dificilmente acessíveis.2
As Forças Armadas, com
todos os defeitos inerentes à condição humana, continuam a ser aquela
instituição que as gentes, ao longo dos séculos, se habituaram a ver como sendo
depositárias das mais nobres virtudes da espécie a que pertencemos. É assim que
duram, e deste modo são olhadas e admiradas!
VIVA PORTUGAL
Joaquim Maria Cymbron
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- https://www.marinha.pt/pt/media-center/discursos/Documents/DiscursoDM19.pdf.
- Ao glorioso C.el de Cavalaria Duarte Pamplona, primeiro oficial português a ser agraciado com a Torre e Espada, na Guerra do Ultramar, ouvi-o dizer que «ser soldado é quase um sacramento.»
JMC
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