Um exército batendo em retirada não é a mesma coisa do que um exército em debandada. É provavelmente a mais difícil de todas as manobras militares e a que exige maior coragem.
O exército, que
inicia uma retirada, nem por isso desiste de lutar. Posto diante de um
movimento do inimigo, ameaçando a destruição total das suas forças, esse
exército apenas se prepara para novos combates que lhe abrirão o caminho da
vitória. Prefere perder uma batalha para ganhar a guerra.
Quando é este o
quadro que determina a retirada, estará louco ou é traidor o Comandante que não
a ordene. De igual modo, se há-de comportar o Chefe que sinta diminuídas as
suas capacidades e por isso entregue o mando das suas tropas ao que mais
condições reúna para recolher tão pesado encargo. Com esta atitude mostra que
se encontra de perfeito juízo e dá provas de humildade.
O governo da Igreja
é o comando do mais formidável exército deste Mundo. E porquê? Todos o sabemos,
homens de boa vontade e quem, para desgraça sua , não quer sê-lo: a Igreja
trava a mais feroz e rude peleja que pode existir, porque a Igreja trata da
salvação das almas opondo-se assim ao Anjo da Perdição. Este combate durará até
à consumação dos tempos, porque o ódio de Lúcifer ao Criador não se extingue:
não podendo derrubar Deus, procura atingi-lo no que mais querido Ele tem, ou
seja, a criatura humana.
Quando o Chefe do
povo de Deus se decide a colocar nas mãos de quem lhe suceder os títulos da sua
potestade, não fica atrás do cabo de guerra que manda o exército retirar ou
pede para ser substituído. E devemos ficar muito mais sossegados do que os
soldados daquele exército, porque o novo Pescador de Homens goza da mesma
promessa feita por Cristo a Pedro (1).
Por índole e
formação, acredito piamente nas aparições de Fátima e nos imensos tesouros
espirituais que ali se encontram. Limito-me a acrescentar que Fátima, longe do esoterismo e da cabala, de que muitos gostam de a rodear, nos traz com meridiana clareza uma notícia que, penso eu, encherá de legítimo gozo e consolará todos os devotos daquele santuário: numa das mensagens que a Virgem Santíssima transmitiu aos videntes, foi-nos legada a garantia de que em Portugal sempre se guardaria o dogma da Fé. Parece-me que este privilégio não será exclusivo dos Portugueses, porque são filhos de Deus todos os seres humanos e por todos Cristo derramou o Seu bendito sangue, conquanto nem todos aproveitem esse sacrifício (2). Daqui, o ser-me muito difícil compreender a inquietação que se vive nalguns meios, os quais fundados no que dizem ser o conteúdo do
terceiro segredo, vêem nesta resignação de Bento XVI o prenúncio da chegada do
Antipapa, de mistura com todo o cortejo de vaticínios funestos que tal evento
arrastará consigo.
Não há dúvida de
que grandes convulsões se preparam no campo político, económico e social. Isto
parece-me claro e certo no domínio do que é temporal, porque é matéria de um
conhecimento racional, tirado da lição que a vida nos vai oferecendo. Efectivamente,
os homens não são os mesmos nas idades que passam umas após outras, mas
espaçadamente voltam ao mesmo. A história é, por isso, uma escola de como se
pode ler, no tempo pretérito, o que o futuro nos reserva. Mas prever o dia a
dia da Igreja, até que esta complete o trajecto que lhe falta cumprir em
direcção à Terra da Promissão, isso exige muito mais do que a ciência humana é
capaz: requer inspiração divina que só à autoridade de Roma cabe ratificar.
Eleito por um
conclave assistido pelo Espírito Santo, alma do Corpo místico de Cristo (3),
Bento XVI, também iluminado pelo Espírito Santo, aceitou a eleição. Recuso-me a
crer que a sua decisão de resignar não tenha sido, por igual, inspirada desde o
Céu. De contrário, seria um trânsfuga, pelo que não fariam sentido todos os
transportes de um carinho que justamente lhe vem sendo dispensado.
Ao invés de muitos
que descobrem sinais apocalípticos nos últimos acontecimentos de Roma, confio que
assim como veio João Baptista a preparar os caminhos do Messias, também Bento
XVI seja o precursor do Papa que há-de começar o ingente trabalho da
restauração.
Virá um dia em que
todos renunciaremos aos poderes que tivermos, poderes mais ou menos limitados,
segundo Deus nos dotou ou nos permite usá-los: esse dia é o dia da nossa morte.
A diferença está em que os governantes no domínio do que é temporal deixam o
destino das comunidades, onde foram dirigentes, nas mãos dos que lhes sucedem,
os quais podem desbaratar o activo da herança. Ora isto não acontece com o
Papado, se olharmos ao que é verdadeiramente necessário à saúde do povo de
Deus.
Se Sua Santidade
voltasse atrás, aí seria motivo para ficarmos seriamente preocupados. Um Papa
não sai porque lhe gritam “rua!”; nem fica porque lho pedem. Uma resolução, em
matéria tão grave como esta, não é o mesmo que um ensaio de popularidade no
estilo do que costumam fazer os políticos demagogos.
Honremos Bento XVI
com a nossa submissão, até ao termo do seu Calvário, não como quem se vê diante
do facto consumado, mas em total conformidade à vontade do Pastor Universal,
sem discutir o mérito da iniciativa que tomou.
Guardando a
dignidade de Papa emérito, Sua Santidade não cria na Igreja nenhuma bicefalia
porque, relativamente ao seu sucessor, nunca poderá ir além do que era Paulo
para Pedro: o primado está com Pedro, como foi então e continuará até que
Cristo venha recolher a sua porção, e receba do Pescador as chaves que um dia
lhe entregou.
Fé e esperança, porque não se afundará a barca que transporta os herdeiros do Reino.
Assim Deus me salve!
Fé e esperança, porque não se afundará a barca que transporta os herdeiros do Reino.
Assim Deus me salve!
Joaquim Maria Cymbron
__________________________________- Mt. 16, 18.
- A respeito disto, entre muitos
fundamentos, o grande Concílio Tridentino é claro e peremptório: Dz. 794;
795; 827 (aqui, anatematizando quem
negar a doutrina subjacente ao que se sustenta no texto); ib.,1096 (Inocêncio X, no meio de
muitas censuras, acaba por chamar herética a uma proposição de Jansénio
que ousa contrariar o alcance universal da satisfação dada por Cristo) ; ib.,1294 e 1295 (onde Alexandre
VIII continua o ataque aos erros dos seguidores do Bispo de Ypres).
- Muito perto de nós, sem o mínimo desvio à
linha do magistério eclesiástico e dentro da mais pura tradição patrística,
o Concílio Vaticano II confirma o exposto (LG, 7).
JMC
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