terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

OS VENTOS DE ROMA



Um exército batendo em retirada não é a mesma coisa do que um exército em debandada. É provavelmente a mais difícil de todas as manobras militares e a que exige maior coragem.


O exército, que inicia uma retirada, nem por isso desiste de lutar. Posto diante de um movimento do inimigo, ameaçando a destruição total das suas forças, esse exército apenas se prepara para novos combates que lhe abrirão o caminho da vitória. Prefere perder uma batalha para ganhar a guerra.

Quando é este o quadro que determina a retirada, estará louco ou é traidor o Comandante que não a ordene. De igual modo, se há-de comportar o Chefe que sinta diminuídas as suas capacidades e por isso entregue o mando das suas tropas ao que mais condições reúna para recolher tão pesado encargo. Com esta atitude mostra que se encontra de perfeito juízo e dá provas de humildade.

O governo da Igreja é o comando do mais formidável exército deste Mundo. E porquê? Todos o sabemos, homens de boa vontade e quem, para desgraça sua , não quer sê-lo: a Igreja trava a mais feroz e rude peleja que pode existir, porque a Igreja trata da salvação das almas opondo-se assim ao Anjo da Perdição. Este combate durará até à consumação dos tempos, porque o ódio de Lúcifer ao Criador não se extingue: não podendo derrubar Deus, procura atingi-lo no que mais querido Ele tem, ou seja, a criatura humana.
Quando o Chefe do povo de Deus se decide a colocar nas mãos de quem lhe suceder os títulos da sua potestade, não fica atrás do cabo de guerra que manda o exército retirar ou pede para ser substituído. E devemos ficar muito mais sossegados do que os soldados daquele exército, porque o novo Pescador de Homens goza da mesma promessa feita por Cristo a Pedro (1).
Por índole e formação, acredito piamente nas aparições de Fátima e nos imensos tesouros espirituais que ali se encontram. Limito-me a acrescentar que Fátima, longe do esoterismo e da cabala, de que muitos gostam de a rodear, nos traz com meridiana clareza uma notícia que, penso eu, encherá de legítimo gozo e consolará todos os devotos daquele santuário: numa das mensagens que a Virgem Santíssima transmitiu aos videntes, foi-nos legada a garantia de que em Portugal sempre se guardaria o dogma da Fé. Parece-me que este privilégio não será exclusivo dos Portugueses, porque são filhos de Deus todos os seres humanos e por todos Cristo derramou o Seu bendito sangue, conquanto nem todos aproveitem esse sacrifício (2). Daqui, o ser-me muito difícil compreender a inquietação que se vive nalguns meios, os quais fundados no que dizem ser o conteúdo do terceiro segredo, vêem nesta resignação de Bento XVI o prenúncio da chegada do Antipapa, de mistura com todo o cortejo de vaticínios funestos que tal evento arrastará consigo. 
Não há dúvida de que grandes convulsões se preparam no campo político, económico e social. Isto parece-me claro e certo no domínio do que é temporal, porque é matéria de um conhecimento racional, tirado da lição que a vida nos vai oferecendo. Efectivamente, os homens não são os mesmos nas idades que passam umas após outras, mas espaçadamente voltam ao mesmo. A história é, por isso, uma escola de como se pode ler, no tempo pretérito, o que o futuro nos reserva. Mas prever o dia a dia da Igreja, até que esta complete o trajecto que lhe falta cumprir em direcção à Terra da Promissão, isso exige muito mais do que a ciência humana é capaz: requer inspiração divina que só à autoridade de Roma cabe ratificar.
Eleito por um conclave assistido pelo Espírito Santo, alma do Corpo místico de Cristo (3), Bento XVI, também iluminado pelo Espírito Santo, aceitou a eleição. Recuso-me a crer que a sua decisão de resignar não tenha sido, por igual, inspirada desde o Céu. De contrário, seria um trânsfuga, pelo que não fariam sentido todos os transportes de um carinho que justamente lhe vem sendo dispensado.
Ao invés de muitos que descobrem sinais apocalípticos nos últimos acontecimentos de Roma, confio que assim como veio João Baptista a preparar os caminhos do Messias, também Bento XVI seja o precursor do Papa que há-de começar o ingente trabalho da restauração.
Virá um dia em que todos renunciaremos aos poderes que tivermos, poderes mais ou menos limitados, segundo Deus nos dotou ou nos permite usá-los: esse dia é o dia da nossa morte. A diferença está em que os governantes no domínio do que é temporal deixam o destino das comunidades, onde foram dirigentes, nas mãos dos que lhes sucedem, os quais podem desbaratar o activo da herança. Ora isto não acontece com o Papado, se olharmos ao que é verdadeiramente necessário à saúde do povo de Deus.
Se Sua Santidade voltasse atrás, aí seria motivo para ficarmos seriamente preocupados. Um Papa não sai porque lhe gritam “rua!”; nem fica porque lho pedem. Uma resolução, em matéria tão grave como esta, não é o mesmo que um ensaio de popularidade no estilo do que costumam fazer os políticos demagogos.
Honremos Bento XVI com a nossa submissão, até ao termo do seu Calvário, não como quem se vê diante do facto consumado, mas em total conformidade à vontade do Pastor Universal, sem discutir o mérito da iniciativa que tomou.
Guardando a dignidade de Papa emérito, Sua Santidade não cria na Igreja nenhuma bicefalia porque, relativamente ao seu sucessor, nunca poderá ir além do que era Paulo para Pedro: o primado está com Pedro, como foi então e continuará até que Cristo venha recolher a sua porção, e receba do Pescador as chaves que um dia lhe entregou.

Fé e esperança, porque não se afundará a barca que transporta os herdeiros do Reino.

Assim Deus me salve!



Joaquim Maria Cymbron
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  1. Mt. 16, 18.
  2. A respeito disto, entre muitos fundamentos, o grande Concílio Tridentino é claro e peremptório: Dz. 794; 795; 827 (aqui,  anatematizando quem negar a doutrina subjacente ao que se sustenta no texto); ib.,1096 (Inocêncio X, no meio de muitas censuras, acaba por chamar herética a uma proposição de Jansénio que ousa contrariar o alcance universal da satisfação dada por Cristo) ; ib.,1294 e 1295 (onde Alexandre VIII continua o ataque aos erros dos seguidores do Bispo de Ypres).
  3.  Muito perto de nós, sem o mínimo desvio à linha do magistério eclesiástico e dentro da mais pura tradição patrística, o Concílio Vaticano II confirma o exposto (LG, 7).
JMC



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