sábado, 8 de junho de 2013

O DEZ DE JUNHO EM BELÉM


O Dia de Portugal é uma data venerável. Os primeiros encontros de Belém ainda foram nesse sentido. Mas logo se perdeu o rumo, convidando personalidades que ficariam muito bem a celebrar o 25 de Abril.

Sem o propósito de desfeita para ninguém (não conheço o cenário de todas as comemorações), só vi uma excepção honrosa ao triste quadro de afastamento do primitivo ideal que animou os antigos combatentes. Refiro-me à presença da Dig.ma Viúva do egrégio C.te Oliveira e Carmo e de sua Família; à presença e à participação daquela grande Senhora, exemplo vivo do muito que as Mulheres Portuguesas deram à Pátria, sofredoras e alheias às honrarias do Mundo, confirmação plena de que, por trás de um grande Homem, há sempre uma grande Mulher. Seria injusto, se não destacasse também as luminosas palavras de sua gentilíssima neta: se ela não se encontra isolada no meio da juventude, há razões para ter esperança!

Não voltarei a Belém, se não recuperarmos a intenção com que se arrancou no início. Ao Restelo, sim, mas só para embarcar numa nova epopeia, epopeia do espírito, epopeia da honra e do brio, da dignidade e da honestidade. Enfim, uma epopeia capaz de nos encher novamente daqueles valores morais que engrandeceram Portugal, devolvendo-nos o legítimo orgulho de sermos filhos de uma Pátria bela e nobre.

O resto, o poder temporal, isso virá por acréscimo!

Joaquim Maria Cymbron

sexta-feira, 29 de março de 2013

UM GRITO DE VIDA


     Notável a afirmação de vontade que sacode a França.
    O que ali ocorre não é questão meramente nacional e, por consequência, assunto interno daquele país. Apesar de girar à volta de uma lei francesa, o seu objecto é mais profundo e salta fronteiras: diz inegavelmente respeito ao mundo inteiro.
    Portanto, resolvi deixar aqui um curto texto aplaudindo o que lá sucede. É uma homenagem a quem protagoniza aquela luta. Esses tornaram-se credores da gratidão de quantos aspiram à ordem natural.
    Travando-se o combate em solo francês, parece-me que em língua gálica é que devo expressar a minha admiração por quem o leva a cabo com tanta determinação.

La France – pas celle de la Bastille, celle de Robespierre, celle du Petit Corse, celle d’ une Europe prostituée – mais la France de Clovis et de Saint Louis, la France de Jeanne d’ Arc, la France de la Vendée, la France fille aînée de l’ Église, enfin, la France authentique, cette France n’ oublie pas son baptême.

Ce combat,  c’ est le combat de la philosophie de l’ Être opposée a l’ anéantissement. Il est pourtant le combat de la civilisation contre la barbarie.

Çà, c’ est bien la vraie France: s’ il faut dépaver, elle dépave; s’ il faut marcher en règle, elle marche; s’ il faut monter au sacrifice, elle monte. Comme les martyrs, comme les Chouans!

 

Joaquim Maria Cymbron

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

OS VENTOS DE ROMA



Um exército batendo em retirada não é a mesma coisa do que um exército em debandada. É provavelmente a mais difícil de todas as manobras militares e a que exige maior coragem.


O exército, que inicia uma retirada, nem por isso desiste de lutar. Posto diante de um movimento do inimigo, ameaçando a destruição total das suas forças, esse exército apenas se prepara para novos combates que lhe abrirão o caminho da vitória. Prefere perder uma batalha para ganhar a guerra.

Quando é este o quadro que determina a retirada, estará louco ou é traidor o Comandante que não a ordene. De igual modo, se há-de comportar o Chefe que sinta diminuídas as suas capacidades e por isso entregue o mando das suas tropas ao que mais condições reúna para recolher tão pesado encargo. Com esta atitude mostra que se encontra de perfeito juízo e dá provas de humildade.

O governo da Igreja é o comando do mais formidável exército deste Mundo. E porquê? Todos o sabemos, homens de boa vontade e quem, para desgraça sua , não quer sê-lo: a Igreja trava a mais feroz e rude peleja que pode existir, porque a Igreja trata da salvação das almas opondo-se assim ao Anjo da Perdição. Este combate durará até à consumação dos tempos, porque o ódio de Lúcifer ao Criador não se extingue: não podendo derrubar Deus, procura atingi-lo no que mais querido Ele tem, ou seja, a criatura humana.
Quando o Chefe do povo de Deus se decide a colocar nas mãos de quem lhe suceder os títulos da sua potestade, não fica atrás do cabo de guerra que manda o exército retirar ou pede para ser substituído. E devemos ficar muito mais sossegados do que os soldados daquele exército, porque o novo Pescador de Homens goza da mesma promessa feita por Cristo a Pedro (1).
Por índole e formação, acredito piamente nas aparições de Fátima e nos imensos tesouros espirituais que ali se encontram. Limito-me a acrescentar que Fátima, longe do esoterismo e da cabala, de que muitos gostam de a rodear, nos traz com meridiana clareza uma notícia que, penso eu, encherá de legítimo gozo e consolará todos os devotos daquele santuário: numa das mensagens que a Virgem Santíssima transmitiu aos videntes, foi-nos legada a garantia de que em Portugal sempre se guardaria o dogma da Fé. Parece-me que este privilégio não será exclusivo dos Portugueses, porque são filhos de Deus todos os seres humanos e por todos Cristo derramou o Seu bendito sangue, conquanto nem todos aproveitem esse sacrifício (2). Daqui, o ser-me muito difícil compreender a inquietação que se vive nalguns meios, os quais fundados no que dizem ser o conteúdo do terceiro segredo, vêem nesta resignação de Bento XVI o prenúncio da chegada do Antipapa, de mistura com todo o cortejo de vaticínios funestos que tal evento arrastará consigo. 
Não há dúvida de que grandes convulsões se preparam no campo político, económico e social. Isto parece-me claro e certo no domínio do que é temporal, porque é matéria de um conhecimento racional, tirado da lição que a vida nos vai oferecendo. Efectivamente, os homens não são os mesmos nas idades que passam umas após outras, mas espaçadamente voltam ao mesmo. A história é, por isso, uma escola de como se pode ler, no tempo pretérito, o que o futuro nos reserva. Mas prever o dia a dia da Igreja, até que esta complete o trajecto que lhe falta cumprir em direcção à Terra da Promissão, isso exige muito mais do que a ciência humana é capaz: requer inspiração divina que só à autoridade de Roma cabe ratificar.
Eleito por um conclave assistido pelo Espírito Santo, alma do Corpo místico de Cristo (3), Bento XVI, também iluminado pelo Espírito Santo, aceitou a eleição. Recuso-me a crer que a sua decisão de resignar não tenha sido, por igual, inspirada desde o Céu. De contrário, seria um trânsfuga, pelo que não fariam sentido todos os transportes de um carinho que justamente lhe vem sendo dispensado.
Ao invés de muitos que descobrem sinais apocalípticos nos últimos acontecimentos de Roma, confio que assim como veio João Baptista a preparar os caminhos do Messias, também Bento XVI seja o precursor do Papa que há-de começar o ingente trabalho da restauração.
Virá um dia em que todos renunciaremos aos poderes que tivermos, poderes mais ou menos limitados, segundo Deus nos dotou ou nos permite usá-los: esse dia é o dia da nossa morte. A diferença está em que os governantes no domínio do que é temporal deixam o destino das comunidades, onde foram dirigentes, nas mãos dos que lhes sucedem, os quais podem desbaratar o activo da herança. Ora isto não acontece com o Papado, se olharmos ao que é verdadeiramente necessário à saúde do povo de Deus.
Se Sua Santidade voltasse atrás, aí seria motivo para ficarmos seriamente preocupados. Um Papa não sai porque lhe gritam “rua!”; nem fica porque lho pedem. Uma resolução, em matéria tão grave como esta, não é o mesmo que um ensaio de popularidade no estilo do que costumam fazer os políticos demagogos.
Honremos Bento XVI com a nossa submissão, até ao termo do seu Calvário, não como quem se vê diante do facto consumado, mas em total conformidade à vontade do Pastor Universal, sem discutir o mérito da iniciativa que tomou.
Guardando a dignidade de Papa emérito, Sua Santidade não cria na Igreja nenhuma bicefalia porque, relativamente ao seu sucessor, nunca poderá ir além do que era Paulo para Pedro: o primado está com Pedro, como foi então e continuará até que Cristo venha recolher a sua porção, e receba do Pescador as chaves que um dia lhe entregou.

Fé e esperança, porque não se afundará a barca que transporta os herdeiros do Reino.

Assim Deus me salve!



Joaquim Maria Cymbron
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  1. Mt. 16, 18.
  2. A respeito disto, entre muitos fundamentos, o grande Concílio Tridentino é claro e peremptório: Dz. 794; 795; 827 (aqui,  anatematizando quem negar a doutrina subjacente ao que se sustenta no texto); ib.,1096 (Inocêncio X, no meio de muitas censuras, acaba por chamar herética a uma proposição de Jansénio que ousa contrariar o alcance universal da satisfação dada por Cristo) ; ib.,1294 e 1295 (onde Alexandre VIII continua o ataque aos erros dos seguidores do Bispo de Ypres).
  3.  Muito perto de nós, sem o mínimo desvio à linha do magistério eclesiástico e dentro da mais pura tradição patrística, o Concílio Vaticano II confirma o exposto (LG, 7).
JMC



quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

NO METROPOLITANO DE PARIS

 
Não há dúvida que sem dinheiro a vida é impossível. Mas nem tudo na vida se reduz a dinheiro: estão nesta categoria todos os bens que não são quantificáveis. Conto aqui um episódio, que é bom exemplo do que acabo de afirmar e o qual, apesar de vivido em circunstâncias particularmente duras, nem por isso deixa de constituir uma das lembranças mais gratas de toda a minha vida.

À data do desastre --- 25ABR74 ---, encontrava-me em Angola à espera de entrar nas Forças de Intervenção do Comando-Chefe daquela Província. Era a minha segunda ida a África para defender aquele terrão. Escusado será dizer que o sonho de poder continuar o combate, até que se alcançasse uma paz justa, ficou anulado pela traição que se conhece.

Entretanto, dava-se o 28 de Setembro na Metrópole. A 03OUT74, era eu detido, em Luanda, por ordem de Rosa Coutinho. Assim estive poucos dias (três semanas e mais qualquer coisa), mas com a nota muito incómoda de ter passado esse período praticamente isolado e sem saber quanto tempo ia durar o que veio a ser um cárcere curto.
 
Quando me libertaram, passei à África do Sul e daí, decorrido mês e meio, voei para Madrid. Em Espanha, mandaram-me para Barcelona, onde estive uns quatro meses. No rectângulo português, ia viver-se o Verão Quente. Antes de entrar nele, tive de deslocar-me a Paris.

E é aí que sucede o que me propus narrar. Todo este relato teve a finalidade de mostrar um quadro que, dadas as razões, não era nada agradável, o que ajudará  a compreender a emoção sentida por mim na ocorrência que segue.

Percorria eu os corredores do Metro, bastante atribulado, quando começo a ouvir uma música lindíssima. Saía das cordas de um violino: Brahms? Beethoven? Sempre confundi os dois, nalguns trechos. O compositor até podia ser um terceiro. Mas, para o efeito que trato, isso de nada interessa: sei é que a música parecia caída do Céu. Já não me lembro se caminhava na direcção de onde vinha o som. É provável que eu tivesse feito um desvio, tal a magia daquele momento.

O certo é que ia caminhando para lá, e nisto, à medida que descia umas escadas, começo a ver a figura de um homem que arrancava aquelas notas de tanta beleza. Era cego. Tinha aos pés, como é costume nestes casos, uma caixa onde se via dinheiro. Aproximei-me e, em termos genéricos, disse-lhe que me encontrava ali condicionado por causas muito especiais, não podendo levar-lhe nenhum socorro material. Acrescentei ainda que, mesmo tendo os bolsos a abarrotar, supunha que não conseguiria pagar-lhe o conforto que recebera com a música por ele tocada.

Não menos comovido que eu, retorquiu-me num tom que parecia mais agradecido do que ficaria se eu o tivesse coberto de moedas!

 
Joaquim Maria Cymbron

terça-feira, 16 de outubro de 2012

A ARTE DO MANDO


Há mais de quarenta anos, a bordo de uma LFG navegando no Cacheu, seguia uma força de fuzileiros que, daí a poucas horas, desembarcaria para entrar em acção.

Na câmara do navio, naqueles momentos que precediam um curto sono, encontrava-se reunida a oficialidade que ia participar na operação. Discorria-se sobre os mais diversos assuntos, em ameno tom coloquial. Eis senão quando o Comandante daquela força, casualmente, declara diante de todos qual seria a sua reacção punitiva a determinado facto abstracto, se este se viesse a concretizar em área da sua competência. Alguém deixou escapar que isso contrariava o disposto na OSN. Sem se impressionar, o Comandante respondeu prontamente: «Aqui, não conheço a OSN. A OSN sou eu!»

Certa filosofia sempre se sentiu arripiada perante quem revela tanta confiança na própria força. Por mim, nunca soube se os seus cultores agem por convicção, se por inveja. Muito provavelmente será por inveja, porque não é qualquer um que pode mostrar a segurança do autor da frase que citei. É preciso possuir autoridade natural e ser dotado de prudência, a mais caprichosa das virtudes morais porque sem ela nenhuma das outras existe.

Nunca vi este Comandante abusar do poder. E quando se é feito desta têmpera, que falta fazem os regulamentos escritos? A lei, com excepção da lei eterna, existe para o homem e não o homem para a lei. É por estar vertida no papel que a ordem estabelecida é mais justa do que aquela que se vai criando na prática constante do dia-a-dia? Haja decoro!

O CJM, o RDM, a OSN ou quaisquer outros diplomas jurídico-militares daqueles tempos tinham uma valia indisputável, mas nem tudo isto somado chegava para conduzir homens ao combate. Vai-se à luta à voz de quem é Chefe. E o Chefe não impõe nada, nem é eleito; o Chefe impõe-se e é aceito como tal! Quando muito, se as circunstâncias requerem acto mais sonoro, o Chefe é aclamado! Mas a aclamação do Chefe, como sucedia em Cortes aos Reis da antiga monarquia portuguesa, não tem efeito constitutivo da sua dignidade, mas sim de reconhecimento dela!

Da memória de um episódio vivido na Guiné, falei da noção que tenho do que é o Chefe. Pouco escrevi, porque há conceitos que ou se colhem por intuição, ou de nada servirão os mais extensos e minuciosos tratados, para além do duvidoso mérito de conseguirem pôr à prova a capacidade da paciência de quem os lê.

E também lembrei o passo dos nossos Reis em Cortes, para ilustrar a feição juridica que assume a cerimónia da aclamação. De resto, aqui principia e aqui deve terminar toda a aproximação porque, nos dias que correm, a única assimilação possível entre Rei e Chefe é a de que Portugal está órfão de Rei que seja um Chefe: por direito dinástico, não se vislumbra uma só figura com dimensão para tão alta e exigente missão!


Joaquim Maria Cymbron

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

RIP




Ontem, por correio electrónico, recebi esta tristíssima notícia, chegada de Espanha:

Lunes 24 de septiembre, a las 20:00, en la Iglesia de la Milagrosa en la calle García de Paredes de Madrid, Misa funeral por Carmen la esposa de José Arturo Márquez de Prado, fallecida este mes de agosto.
Se ruega una oración por su alma y la asistencia para quién, como fiel esposa, acompañó durante toda su vida a su marido en toda una vida consagrada a la Causa carlista.
 
Márquez de Prado foi um notável Chefe-Nacional dos gloriosos requetés. Sua Mulher, que Deus chamou a Si, era uma Senhora distintíssima, que aliava uma alegria cativante ao mais fino trato. Sempre fui honrado com a amizade de ambos, e nunca encontrei fechadas as portas da casa onde viviam.
A Márquez de Prado, enquanto o não puder fazer pessoalmente, aqui lhe deixo um apertado abraço com os mais sentidos pêsames pela dor que o atingiu. E peço a Deus que ele encontre o possível conforto para este penosíssimo transe, na Fé intemerata de que deu largas provas ao longo de uma vida tão fecunda no amor a Cristo-Rei, como era de esperar de um autêntico boina roja 

 
Joaquim Maria Cymbron

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

A UM GENERAL CONTRARREVOLUCIONÁRIO


A carta, que segue, foi publicada pela primeira vez no bimensário Novo Século, de 1/15 de Setembro de 1983, pp. 1 e 12 (nesta última, as nove linhas iniciais não fazem parte do texto por mim assinado). A sua desconformidade com o presente vem definida nas notas de pé de página, excepto a primeira que se refere a uma citação de Os Lusíadas.
Reeditá-la aqui pareceu-me útil dado que o escrito nessa altura mantém a actualidade de tudo aquilo que se torna mais premente. O tempo até demonstrou que as previsões estavam certas.
Senti a necessidade de referir o órgão de comunicação social, que publicou a carta, porque convinha a chamada de atenção para a interpolação acima assinalada. Estes incidentes são muitas vezes obra dos jornalistas, que parecem experimentar um certo gozo em mostrar a casta a que pertencem.
Permita Deus que a carta desta vez alcance algum êxito!

 
 Senhor General:

A Nação tem os olhos postos em V. Ex.ª. E olha-o, Senhor General, porque, agora ou depois, V. Ex.ª terá de intervir!  
 
A Pátria sem mácula, a Pátria inocente, esta Pátria, que é a nossa, geme agrilhoada a um sudário de infâmias cometidas por bastardos e por loucos. A Pátria pede desagravo para os crimes de que é vítima e de que a sua consciência não tem de se acusar.
 
Eu sei, Senhor General, que sobre V. Ex.ª e os seus valorosos companheiros de armas têm caído as mais acerbas críticas. Mas, na hora em que a Nação já espera ansiosa o resgate da tria, ime-se ver claro:

Se é certo que o 25 de Abril foi obra de Serrios e de Coriolanos sem outra chama e talento que não fosse a luz infernal da traão, também a verdade obriga a que se diga, que pulularam entre nós, os aprendizes de Catilina, o tendo havido, isso sim, objurgatória de Cícero que nos valesse. A estes inimigos, que por si sós levariam a cabo qualquer obra de destruição, juntava-se a sátira execrável na substância e de gosto formal mais que duvidoso, que era moda e de bom tom praticar-se, chocarreira, nalguns círculos elegantes ou, então, com fumos de literatice, nas tertúlias de um intelectualismo pedante e esotérico. Proceda-se, assim, à reconstituição do quadro da vida portuguesa nos anos que precederam mais de perto o 25 de Abril e logo se verá como toda a nossa sociedade, nas suas instituições poticas, sociais e económicas, enfermava já dos males que são sintoma de uma decomposição próxima.
 
A demissão dos governantes, a fuga das classes dirigentes, que quase só o eram em razão de uma infeliz ínércia histórica, e a felonia sistemática dos grupos economicamente dominantes, tudo isto somado se encarregou de arrasar o que, de muito positivo, um estadista de polpa --- Oliveira Salazar --- levantara com a cautela, que lhe impunham as apertadas condições em que se movia, e tamm com o tacto, que só homens de génio possuem. A decadência de caracteres era, pois, imensa e quase geral: a corrupção minava os alicerces do edifício laboriosamente erguido.

Deste modo, era impossível que vingassem os clamores dos que ainda tinham, em justa conta, a noção do «amor da Pátria, não movido de prémio vil, mas alto e quase eterno.» (1) O mau exemplo vinha de cima e o seu contágio ameaçava tudo e todos: poucos eram os que lhe escapavam. Aqueles que protestavam (e já rareavam os que, para tanto, conservavam a necessária coragem e o discernimento suficiente), o maior número deles e, porventura os de melhor qualidade, estavam, havia muito, afastados por vontade própria do regime vigente ou, então, como com outros sucedia, nunca tiveram nada a ver com ele: tanto maior, portanto, o cdito que deveriam merecer. Não aconteceu, porém, assim. Homens de boa fé, gente válida, todos eles passaram a ser olhados como importunas Cassandras, que não interessava ouvir, quando não se podia calá-los. Neste quadro, o desastre previa-se. Caminhava-se a passos largos para a capitulação ante Danaos et dona ferentes, que o mesmo é dizer perante o inimigo de fora e o de dentro.
 
Houve, portanto, um inimigo interno. Todavia, o lado pelo qual, de um modo mais directo, saiu a punhalada contra a Pátria, foi justamente esse donde, por definão, se esperava a sua maior defesa. Mas, nesse grémio, nem todos são traidores! Melhor: aí, não há traidores, porque os sicários da Pátria, ao renegarem Portugal, negaram-se como militares visto que «este Reino é obra de soldados».

Se pela mente do lendário Mousinho, aquele que, nalguns aspectos, foi bem um Nun’ Álvares póstumo, se pela sua mente, repito, ao deixar que estas palavras tombassem de uma forma lapidar, perpassou a ideia, que eu acho justa, da tríplice dimensão em que se pode exercer o nobre mester de soldado, Portugal é, com efeito, obra de soldados: é-o pela milícia do espírito; é-o pela milícia do pensamento; e é-o, ainda, pela milícia da acção. Pela milícia do espírito, é obra de soldados no apostolado dos seus mártires, dos seus confessores, dos seus santos e dos seus homens de Igreja; é-o também pela milícia do pensamento, no esforço transformador daqueles que, arrancando das suas raízes uma cultura, que aí jazia latente, a desenvolveram, e foram depois semear junto de outros povos; finalmente, é-o pela milícia da acção, na tenacidade dos seus navegantes e no arrojo dos seus combatentes, no mérito de tantos que passaram cumprindo em silêncio e, obviamente, no esplendor dos seus heróis.

Contudo, este Reino, que já formou em quadrado cerrado, apresenta hoje as suas linhas rotas: Portugal sofre, prostrado, de uma doença minaz; a Nação ouve o ranger de uma corda de esparto; a Pátria treme, apavorada, ao bater das asas de umas aves de rapina. Se queremos curar Portugal do cancro que o rói --- a partidocracia --- e que lhe será fatal, se não acudirmos a tempo; se desejamos salvar a Nação do algoz --- o comunismo ---, que a executará sem dó nem piedade; se, por fim, suspiramos por livrar a Pátrta das garras de uns abutres --- a plutocracia internacional ---, que hão-de procurar saciar os seus apetites vorazes naquilo que dela restar (2), se ansiamos verdadeiramente conseguir estas coisas, então uma vez mais, cumpre-nos ser soldados a fim de continuar este Reino.
 
Mas ainda tenho que lhe dizer, Senhor General!

O povo soberano escolheu uma maioria que, por não ser absoluta, não teve coragem de ser governo e, coligada, não chegará a governar coisa que se veja (3). Quem mo assevera? --- Não é somente a hostilidade que logo se começou a desenhar da banda comunista ou vinda de sectores próximos dela; é sobretudo a prática constante dos valorosos barões de Abril, em circunstâncias como esta: imediatamente após a vitória do MFA se falou na pesada herança fascista; em 1976, Mário Soares, quando tomou posse o I Governo Constitucional, juntava-lhe em ar de queixa. a depredação gonçalvista; sobe a Aliança Democrática ao poder, após um interregno de governos de iniciativa presidencial, e ouve-se a mesma lamúria a respeito da gestão socialista; agora, Soares regressado de novo ao galarim dos negócios públicos, voltou a apontar um estado caótico (4).
   
Estes agoiros, que periodicamente se vão repetindo, levo-os eu na conta, não de profecias da desgraça, mas sim como um lavar de mãos de criminosos, que agem com premeditação ou, noutros casos, o grito de pânico dos incompetentes, assustados com a vastidão da tarefa em que livremente se meteram. Há, neste juizo, demasiada severidade? --- Não o creio, porque se pararmos a fazer um balanço desapaixonado de Portugal do pós-25 de Abril, logo veremos esta verdade nua e crua: se estávamos mal (e muitos erros havia, inegavelmente), muito pior vamos. A queda tem sido contínua e vertiginosa. E tudo isto é demasiado para ser mera coincidência.
 
Eis a razão, Senhor General, por que escrevo a V. Ex.ª. Se houvesse condições para uma genuina representação nacional, nunca eu me adiantaria a pedir a V. Ex.ª aquilo que já verá. Porém, essas condições não existem e tempo para as criar, também não: em seu lugar, depara-se-nos a democracia, conceito estranho a toda a tradição política portuguesa, e que filosoficamente nada exprime, porque é um perfeito absurdo. A distância a que a encontro quando a comparo com a demofilia, ou seja, o amor ao bem comum mostrado pelos nossos Reis, até ao advento das doutrinas iluministas, é tal que, embora contrariadíssimo, não posso, por indeclináveis exigências do estilo epistolar, apresentá-la aqui. Mas se, por um imperativo de ordem formal, tenho de sujeitar-me a não me alongar mais, direi, ainda e tão-somente, que isso até se torna escusável por uma razão já de categoria substancial: é que, Senhor General, os momentos que se avizinham são os da hora da milícia da acção. Assim, a parada terá de ser sua (5).

Arranque, pois, V. Ex.ª. Prepare-se para dotar o País de um governo de autoridade efectiva (ainda há, em Portugal, homens capazes de desempenhar a correspondente função dentro desse quadro).

Aponto então, a V. Ex.ª, o caminho da ditadura? --- Pois que dúvida há? A não ir por aqui, vejo bem próxima a tirania da rua, que é sempre canalha, a que logo se seguiria o jugo comunista, formal ou sob a capa de um presidencialismo eanista (6).

Deus guarde V. Ex.ª!


Joaquim Maria Cymbron

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  1. Lus. I, 10, vv. 1-2.
  2. Estas linhas foram escritas antes da queda do muro de Berlim. Nessa altura, o modelo político e económico do Leste ainda era visto como um perigo real. Agora, há quem creia que foi arredado para o armazém das velharias e, portanto, que se extinguiu a ameaça que ele representava. Ilusão nefasta, que vai acarretar terríveis consequências se não abrimos os olhos e reagimos a tempo. O comunismo continuará vivo, enquanto o dinheiro pesar cada vez mais na balança de todos os valores. Fiel à táctica de sempre, o comunismo não desempenhará contra o capitalismo o papel do antagonista que combate o seu inimigo, mas será alguém que o acompanha na rota de destruição da pessoa humana, porque tanto se é escravo debaixo do chicote, como de salários, reformas e outras condições económicas asfixiantes, que atiram connosco para o limite da sobrevivência.
  3. Há pouco tempo, subira ao poder a coligação que ficou conhecida como Bloco Central.
  4. O discurso não mudou de então para cá: o que deixa o lugar, é sempre o malfeitor!
  5. Tropa sem comando é o mesmo que um corpo sem cabeça; mas chefe sem soldados nada faz. Por isso, mais angustiante do que saber se há chefe militar disposto a levantar-se pela Pátria, é a incógnita da resposta a esta pergunta --- onde está hoje a tropa? Já naquele tempo não reagiu, suportou quantos enxovalhos lhe deitaram em cima. Terá tomado consciência de que a situação nos coloca uma questão de vida ou de morte colectiva? Se os militares não aparecem, o estado de necessidade levará à criação de forças populares! Ora isto é extremamente grave: a guerra conduzida por exércitos regulares já é um duro flagelo; do outro modo, será uma catástrofe de muito maiores proporções. Mas que em breve se terá de optar, lá isso é certo.
  6. Mais uma vez se remete o leitor para a data em que foi escrita a carta, e se lembra que era Presidente da República Ramalho Eanes, um homem que pisa bem todos os tabuleiros do xadrez político. Não é simples peça decorativa, contrariamente ao que muitos julgam, e não há que admirar se ele voltar à ribalta política, agora que é apoiado pelo bastião de um liberalismo que se diz católico --- Opus Dei. Liberalismo católico é como democracia-cristã: uma contradictio in terminis. Assim como o Cristianismo não pode ser democrático, também o liberal não é católico. Serão democratas, uns; liberais, os outros; e até os há que são ambas as coisas. Mas de cristãos e católicos, só a capa. O liberalismo, em economia, dá o capitalismo: daí que Ramalho Eanes possa vir a ser a figura viva da sujeição da nossa Pátria à plutocracia mundial!

JMC